quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A LESÃO CONTRATUAL SOB A ÓPTICA DA TEORIA DO FATO JURÍDICO


Marcos Ehrhardt Júnior
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Advogado, Vice-Presidente da Escola Superior da Advocacia em Alagoas (ESA/AL). Especialista em Direito Constitucional e Mestrando pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professor Substituto de Direito Civil da UFAL, Professor de graduação do CESMAC e FAL, Professor da graduação e pós-graduação da SEUNE. Professor de diversos cursos preparatórios para carreiras jurídicas.
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I. INTRODUÇÃO. II. EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA LESÃO NO DIREITO BRASILEIRO. III. A TEORIA DO FATO JURÍDICO. IV. A LESÃO DISCIPLINADA NO ART. 157 DO CC/02 SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DO FATO JURÍDICO: 4.1 – Necessidade de precisar os elementos constituintes do suporte fático das modalidades de lesão previstas no ordenamento brasileiro. 4.2 – Conseqüências do reconhecimento da invalidade. 4.3 – Aplicação do princípio da conservação dos atos jurídicos. 4.4 – Da desconstituição do negócio, em face da constatação da lesão invalidante. V. CONCLUSÃO.
I. INTRODUÇÃO
Ao desenvolver uma teoria que explica, de modo didático e coerente, o surgimento dos fatos jurídicos e sua atuação no plano da dogmática jurídica, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda lançou luzes sobre temas que há muito ocupam os juristas dedicados ao estudo de uma Teoria Geral do Direito.
A precisão e coerência dos conceitos que apresenta e sua proposta de divisão do estudo do fenômeno jurídico em três dimensões (planos) permite melhor compreensão de diversas vicissitudes das relações negociais que regem a vida em sociedade.
Com o advento da Lei 10.406/02, Novo Código Civil, o ordenamento jurídico pátrio teve reavivada a chama dos mecanismos protectivos da justiça contratual, na medida em que institutos como o abuso de direito, boa-fé objetiva, vedação à onerosidade excessiva e a lesão passaram a ser expressamente disciplinados, inspirando paradigmas de eqüidade e probidade.
No que concerne à lesão, vale anotar que o silêncio da codificação anterior (CC/16) não significava que tal instituto estivesse ausente do ordenamento jurídico brasileiro. Desde a experiência Romana (laesio enormis), passando pelas discussões quando da elaboração do Código de Napoleão e pelas ordenações portuguesas, a lesão sempre teve lugar no pensamento jurídico ocidental. Vale ressaltar que a preocupação com o preço justo e a equidade no trato negocial já ocupavam espaço relevante nas obras jurídicas da Idade Média, conforme evidencia, dentre outras, a obra de São Tomás de Aquino.
Nada obstante, em cada momento histórico o instituto adaptou-se às contingências sócio-jurídico-culturais do período. No Brasil, é a partir do Decreto-Lei n.º 869/39, modificado posteriormente pela lei que tratava de temas afeitos à Economia Popular (Lei n.º 1.521/51) que o instituto ganha contornos dentro do ordenamento e, apesar de ter sido originariamente concebido para a esfera penal, passa a orientar também os civilistas.
A seguir, dispositivos insertos na legislação de defesa do consumidor também se valem da essência do instituto, até que em janeiro de 2003, com a entrada em vigor da novel codificação civil, acrescenta-se a lesão dentre o rol dos vícios de consentimento que maculam o ato jurídico, cuja aplicação às hipóteses fáticas não pode prescindir da observância aos novos princípios do direito contratual, forjados a partir da Carta Política de 1988.
Tal digressão parece afastar o presente trabalho do objeto de preocupação da Teoria Geral do Direito. Entretanto, tal afastamento é apenas aparente. O campo de atuação do instituto da lesão na esfera dos atos jurídicos encontra-se adstrito aos planos da validade e da eficácia, cujas noções repousam tranqüilas no porto seguro da Teoria do Fato Jurídico. Tal posicionamento, contudo, não é compartilhado por parte da doutrina pátria, que, por muitas vezes, trabalha de modo indistinto e confuso as noções de existência, validade e eficácia, o que torna penoso o trabalho diário dos operadores jurídicos.
Não custa lembrar que tradicionalmente, nos cursos de Direto, o estudo das matérias consideradas profissionalizantes é apresentado de modo desconexo com a orientação da Teoria da Ciência do Direito, sobretudo quando professores de orientações acadêmicas diversas passam a tratar de temas sem definir o marco teórico que lastreia sua perspectiva da questão, o que acaba por provocar entre os alunos entendimentos confusos, repletos de imprecisões relativas a aspectos relevantes na sua aplicação no quotidiano negocial.
Desse modo, se considerarmos que o instituto da lesão apresenta-se multifacetado ao longo da evolução da matéria em nossa experiência jurídica, torna-se ainda mais importante estudá-lo sob a perspectiva da Teoria do Fato Jurídico, que por sua precisão e objetividade, permitirá apontarmos os elementos que compõem o suporte fático do referido instituto e suas peculiaridades, para daí melhor compreendermos suas conseqüências.
Neste trabalho busca-se, pois, revisitar conceitos da teoria geral, a partir do instituto da Lesão, distinguindo das demais modalidades de vícios, precisando seus elementos constitutivos e comparando seu tratamento nos diversos diplomas legislativos que cuidam da matéria, de modo a fornecer àqueles que se interessam pelo complexo tema da justiça nas relações contratuais mais uma contribuição visando a aumentar o debate sobre a matéria.
II. EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA LESÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Conforme explicitado na introdução, o objetivo deste trabalho é empreender um estudo analítico do instituto da lesão nos contratos, a partir de elementos da Teoria Geral do Direito. Deve-se então iniciar apresentando a evolução histórica da matéria.
A doutrina pátria costuma relacionar de modo didático quatro espécies de lesão, começando com uma referência histórica à experiência do povo romano, que, de acordo com sua filosofia pragmática, tratava a desproporção prejudicial a uma das partes do negócio de modo objetivo, definindo um parâmetro qualitativo (=tarifado) para caracterizar a laesio enormis, qual seja, inquinava-se o contrato quando a desproporção entre as prestações se mostrasse superior à metade do preço considerado justo.
Tal experiência ecoou pela a Idade Média e influenciou os legisladores encarregados da elaboração do Código Civil Francês de 1804, e embora tenha sido prevista na legislação portuguesa aplicável ao Brasil durante a fase colonial, como também objeto da preocupação de Teixeira de Freitas no seu esboço de Código Civil, não foi adotada por Clóvis Beviláqua quando da confecção do CC/16, a despeito de toda a influência que o Código Napoleônico e o BGB alemão exerceram sobre nossa legislação civil anterior.
Sílvio Rodrigues pondera1 que o silêncio do Código Civil de 1916 acerca do tema poderia ser justificado pela índole individualista do mencionado diploma legal. Afinal, dentro do pensamento liberal, dizer “contratual” implicava “dizer justo”, já que o primado da autonomia da vontade, reforçado pelo princípio da força obrigatória dos pactos, afastava o conteúdo do consenso contratual do controle do Estado-juiz.
A segunda espécie de lesão a ser disciplinada na experiência brasileira, é lesão usurária2, também denominada usura real, esta de natureza criminal, o que explica a exigência de elementos de índole subjetiva para sua configuração, em atendimento aos pressupostos adotados pela teoria finalística da ação, utilizada majoritariamente pelos nossos penalistas.
Desse modo, além do elemento qualitativo da desproporção entre as prestações (tarifação em um quinto), havia de estar evidenciada a necessidade, inexperiência ou leviandade da vítima, bem como a demonstração de dolo de aproveitamento da outra parte, isto é consciência do outro figurante acerca da lesão perpetrada. Uma vez comprovada a ocorrência de tais requisitos inquinava-se o ato jurídico de nulidade, em face da ilicitude do objeto, consoante sustenta Caio Mário da Silva Pereira3.
Na seqüência cronológica, torna-se possível reunir elementos através de uma interpretação sistemática de diversos artigos4 da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, que nos permitem concluir pela adoção pelo CDC do instituto da lesão, só que de modo diverso do previsto na Lei 1.521/51, posto que para a legislação protectiva do consumidor basta constatação da desproporção entre as prestações, para configuração da lesão e a conseqüente decretação da nulidade do contrato.
Registre-se que o montante da desproporção não se encontra predeterminado, ou seja, não há tarifamento. Em face da dinâmica das relações negociais de massa, típicas da sociedade pós-industriais em que vivemos esta parece ser a melhor alternativa de modo a evitar distanciamento da realidade. Ficamos ao prudente arbítrio do juiz a ser motivado em cada caso concreto.
Em janeiro de 2003, entrou em vigor o disposto no art. 157 do Código Civil atual5, que descreve o que a doutrina passou a denominar lesão especial, que da lesão usuária herdou a necessidade da comprovação de condições subjetivas particulares do lesado, a saber: necessidade ou inexperiência; Mas se inspirou no Código de Defesa do Consumidor para exigir elemento objetivo sem tarifação.
Não obstante, distingue-se das duas formas posto que implica em anulabilidade, não devendo tampouco ser confundida com a coação ou com o dolo, conforme demonstraremos mais adiante, após situar tais espécies dentro da Teoria do Fato Jurídico, conforme proposta deste trabalho.
III. A TEORIA DO FATO JURÍDICO
Segundo a doutrina defendida por Pontes de Miranda, os fatos jurídicos originam-se de um suporte fático (após receber a incidência de uma norma jurídica) que podem ser definidos como um fato que por ser considerado relevante para a vida em sociedade, foi objeto de uma norma jurídica cuja incidência ocorre, de modo inesgotável e impositivo sempre que se concretizar no mundo físico.
Assim se descreve a entrada dos fatos naturais dentro do universo jurídico, e se ressalta o viés sócio-cultural do Direito, sendo inevitável traçar um paralelo com a Teoria Tridimensional, desenvolvida por Miguel Reale6, que sustenta ser a norma produto da valoração dos fatos sociais (fato + valor = norma).
Desse momento em diante, ou seja, a partir de sua juridicização, aquele conjunto de fatos adjetivado pela norma, passa a ser considerado de modo autônomo e independente, constituindo uma unidade dentro do tempo e do espaço: o Fato Jurídico; a partir do qual podem ser irradiados os efeitos sociais desejados pela coletividade, ou seja, sua eficácia jurídica, concretizando-se, ou não, as finalidades práticas pretendidas.
Com a juridicização dos elementos nucleares do suporte fático, ingressa-se no Plano da Existência, plano do “ser”, onde apenas se leva em consideração a concreção dos dados fáticos necessários à incidência da norma jurídica. Estamos na porta de entrada do mundo jurídico, onde não há de que se perquirir acerca da sua eficiência, apenas sobre sua suficiência (=existência). Em outros termos, é lícito afirmar que não é nesta dimensão que se analisa a observância do fato jurídico aos requisitos previstos no sistema jurídico7.
Esta verificação é adequada a um segundo momento, quando os fatos jurídicos que apresentam a vontade dos figurantes como elemento nuclear do seu suporte fático passam pelo Plano da Validade. É aqui que se busca garantir a mencionada integridade do sistema jurídico repelindo fatos jurídicos desconformes com suas prescrições.
Logo, torna-se evidente que o problema da validade ultrapassa questões estritamente dogmáticas para assentar no campo da Axiologia Jurídica. Validade então, na forma em comento, é sinônimo de perfeição, adequação ao sistema jurídico. E, neste diapasão, tem-se na invalidade a resposta do sistema – uma forma de sanção – às imperfeições detectadas. Neste sentido, precisa lição de Marcos Bernardes de Mello, in verbis:
A invalidade, em seus diversos graus (=nulidade e anulabilidade) constitui uma sanção que o ordenamento jurídico adota para punir determinadas condutas que implicam contrariedade a direito. [...] Por isso, sempre que há violação de norma cogente há invalidade, desde que ela própria não preveja, especificamente, outra espécie de sanção. Ora, parece claro, se a contrariedade a direito constitui elemento cerne da ilicitude e é também, o fundamento da invalidade dos atos jurídicos, não é possível extrair-se outra conclusão senão a de que o ato jurídico inválido integra o gênero fato ilícito lato sensu.8.
Neste plano se apuram eventuais deficiências nos elementos cerne e completante que integram o núcleo do suporte fático que originou o fato jurídico, pois a não observância de tais estruturas, conforme mencionado, implica necessidade de punir a violação, até como forma de manter o caráter sistemático do Direito.
O já citado Marcos Bernardes de Mello, comentando o plano da validade esclarece que a natureza imputacional própria das normas jurídicas colocam o direito não no plano da causalidade natural (ser), mas sim num plano de validez (dever-ser), que permite ao legislador ter liberdade para disciplinar os defeitos verificados, isto é, as violações ao sistema jurídico do modo que reputar mais adequado9.
Tal peculiaridade torna-se especialmente relevante na seara negocial, já que estamos tratando do interesse das partes contratantes em oposição aos postulados da ordem pública. Explica-se.
No cerne dos fatos jurídicos onde a vontade é elemento essencial (=ato jurídico) percebe-se que a conduta é realizada com o objetivo de obter uma conseqüência vantajosa para quem a pratica. Desse modo, apesar de ocorrer no mundo físico (realidade) a conduta está sujeita a valoração, pois, do ponto de vista jurídico se põe no plano do “dever-ser”, o que permite até “apagá-la” do mundo jurídico em face da não conformidade com o direito posto10.
Neste particular é necessário evitar a confusão doutrinária acerca das noções de ato inválido com ato inexistente. O inválido existe embora se apresente de modo deficiente, como demonstra a necessidade de que o mesmo seja desconstituído quando formado em violação a normas do ordenamento, o que não se verifica com o ato dito “inexistente”.
Tais normas estão relacionadas ao sujeito que manifesta vontade em praticar o ato, ao objeto do ato ou à própria forma de exteriorização de vontade. Estes são os pressupostos de validade a ser considerados pelo operador do Direito.
Deve-se registrar então, que em relação ao instituto da lesão, por exemplo, falta liberdade e/ou espontaneidade em face do contexto fático que determinou tal manifestação de vontade. Em suma, esta-se diante do problema da equidade que reflete no equilíbrio das relações contratuais. O defeito da lesão, portanto, importa na deficiência na consciência da manifestação da vontade e a moralidade do objeto do negócio.
Neste ponto, necessário repisar que existir, valer e ser eficaz devem ser entendidas como situações distintas em que se podem encontrar os fatos jurídicos. O ser válido (ou inválido), assim como o ser eficaz já pressupõe que o fato jurídico exista, apesar da recíproca não seja verdadeira, posto que para existir, “basta a incidência de uma norma sobre seu suporte fático suficientemente composto”.11
Felipe Peixoto Braga Netto, em sua obra intitulada “Teoria dos ilícitos civis” no mesmo sentido afirma que para que um ato jurídico lícito valha, não bastam os requisitos essenciais de existência. Lembra que é necessário que concorram certos atributos de validade, cuja ausência o torna inválido, conquanto existente, para concluir que os atos inválidos funcionam, por vezes como uma espécie de “rede de segurança”, impedindo a eficácia indesejada pelo sistema jurídico12.
Importante também salientar que não se devem confundir as situações descritas acima, já que se passam em planos diferentes. Anote-se que “ser válido” (ou não) e “ser eficaz ou ineficaz” são qualificações atribuídas ao fato jurídico, mas não existe uma relação essencial entre a validade e a eficácia do ato jurídico. Em nosso sistema encontramos tanto atos inválidos que produzem efeitos como ausência de efeitos de atos perfeitamente constituídos (válidos), embora a invalidade seja a causa mais constante de ineficácia.13
IV. A LESÃO DISCIPLINADA NO ART. 157 DO CC/02 SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DO FATO JURÍDICO
4.1 – Necessidade de precisar os elementos constituintes do suporte fático das modalidades de lesão previstas no ordenamento brasileiro.
Da leitura do dispositivo descrito acima, fácil constatar que para a concreção do suporte fático da lesão especial há de se verificar o valor manifestamente desproporcional da contraprestação exigida quando da formalização de ato jurídico que deva ter ocorrido por necessidade ou inexperiência no mundo dos negócios. Neste ponto importante ressaltar que a desproporção deve ser significativa, mas não precisa ser “enorme”, conforme preconizavam os romanos14.
Verificada a ocorrência no mundo físico dos elementos acima listados, forçoso concluir pela incidência do disposto no art. 157 do CC/02 e a juridicização do conjunto fático, sem que seja necessário perscrutar a motivação que levou um dos figurantes ao estado de inferioridade ensejador da invalidação do ato jurídico. Anote-se ainda que diante da disciplina legal torna-se irrelevante a espécie de negócio jurídico pactuada entre os contratantes15.
Ressalte-se que a situação de inferioridade mencionada acima deve ser apreciada em relação ao caso concreto, não se devendo, por conseguinte, considerar a condição econômica anterior das partes. Na verdade, o que se deve ter em conta é que um milionário pode – numa dada situação concreta – estar sendo lesado por alguém de situação econômica inferior. Logo, a desproporção das prestações pactuadas entre os contratantes deve ser aferida no momento da declaração de vontade, posto que necessita ser contemporânea ao negócio para concretizar o suporte fático da lesão16.
Atento a disciplina dos princípios gerais dos contratos deve-se anotar que o presente instituto é inspirado nos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico das prestações e mitiga o velho princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), consubstanciando-se em verdadeira funcionalização da autonomia privada aos escopos sociais.17
Ressalte-se que é preciso cautela na construção de significado para as expressões “necessidade” e “inexperiência” que atuam como elementos completantes do núcleo do suporte fático da lesão. A referida necessidade transcende o mero caráter econômico, devendo ser entendida como impossibilidade de se evitar a celebração do negócio, inclusive por imperativo de cunho moral. Já a inexperiência aqui abordada leva em consideração as condições pessoais da parte contratante desfavorecida, cabendo ao magistrado, no caso concreto, examinar seu status sócio-cultural.
Enfim, a “necessidade” em análise é a necessidade contratual, e não a insuficiência de meios para promover subsistência própria do lesado ou de sua família. Não pode ser considerada a “alternativa entre a fome e o negócio”18. Tampouco a “inexperiência” deve ser confundida com o erro ou ignorância. Aqui se evidencia a inexperiência contratual, que não pode prescindir do exame da natureza da transação, pois, v.g., pessoa bastante erudita na área da genética pode ser completamente inexperiente no trato de questões que envolve bolsas de valores ou comércio internacional.
Interessante para a compreensão do tema divisão proposta de Fábio Uchoa Coelho19 que sugere separar os vícios de consentimento em dois grupos distintos: vícios (a) internos e (b) externos. A lesão estaria classificada dentro do primeiro grupo, pois o constrangimento à vontade do lesionário não seria imputável à outra parte ou a terceiro eventualmente beneficiado, sustentando ainda o referido professor que a necessidade faz com que a vontade não se manifeste livre enquanto que a inexperiência faz com que a vontade não se manifeste consciente20
Neste ponto há de se destacar também que o dispositivo em análise não contemplou a circunstância fática da leviandade de um dos contratantes como elemento do suporte fático da lesão especial, diferentemente do que fez o legislador da Lei de Economia Popular ao definir os contornos da usura real.
Após análise cuidadosa dos elementos subjetivos integrantes do suporte fático da lesão especial, cumpre indagar se se faz necessária à ciência de tal condição por parte do contratante que se aproveita do negócio para a incidência do disposto no art. 157 do CC/02.
Defendemos que o espírito da novel codificação civil, sob inspiração dos já mencionados princípios da boa-fé objetiva e da equivalência material preocupa-se essencialmente com o acentuado desnível das prestações que acaba por impedir a paridade entre os contratantes, pelo que se afigura correto afirmar que na lesão especial o critério subjetivo é subsidiário ao objetivo21.
Importante anotar que o se exige é o aproveitamento, mas não o dolo de aproveitamento22, o que ressalta a orientação objetiva do instituto. Isso acontece mesmo que o lesionário não tenha consciência da inferioridade do lesado - ou seja, intenção de se aproveitar. Apura-se apenas a circunstância fática do aproveitamento. Desde modo se houver desproporção, ainda que a outra parte esteja de boa-fé é possível a invalidação do negócio23. Sopesadas as circunstâncias fáticas descritas, sua identificação no caso concreto apresenta como conseqüência a possibilidade de reconhecimento da anulabilidade do negócio pactuado.
4.2 – Conseqüências do reconhecimento da invalidade
Apresentados os elementos fáticos que permitem a configuração da lesão no sistema jurídico pátrio em suas diversas espécies, é preciso ter em consideração que o tratamento de cada ordenamento dispensa quanto às conseqüências da decretação da invalidade variam em razão os interesses da política legislativa. Na experiência brasileira, o gênero “invalidade” subdivide-se em duas espécies distintas que refletem o grau de repulsa do sistema ao ato perpetrado.
Para situações mais severas, onde o interesse em jogo é o da própria coletividade, ou seja, onde se violam normas de ordem pública, destina-se a nulidade, que, na maioria dos casos, quando reconhecida impede a produção dos efeitos próprios do ato jurídico (acarreta em sua ineficácia), bem como qualquer tentativa de sanação do vício detectado.
Do outro lado, na anulabilidade o interesse em jogo é privado, ou seja, está adstrito a particulares, tendo em vida que os efeitos são relativos apenas às partes. Neste caso, o sistema admite que tais atos jurídicos, mesmo eivados de defeitos, produzam sua eficácia específica até que sejam (ou não) desconstituídos, o que releva a possibilidade de sua sanação, quer seja pela confirmação ou pelo decurso do tempo24.
Apesar da tentativa de precisar tais conceitos, em geral, torna-se penoso garantir uniformidade de nomenclatura aos mesmos, seja pela forte influência do direito francês – onde tais espécies são denominadas, respectivamente de nulidade absoluta e nulidade relativa – seja pela ausência de rigor técnico dos operadores jurídicos.
Por conseguinte, antes de prosseguirmos com o estudo das conseqüências invalidantes da lesão especial e contrapô-las com os efeitos das demais modalidades, alguns esclarecimentos se fazem adequados para prevenir dificuldades de compreensão.
Não se pode confundir os elementos essenciais que permitem distinguir, em geral, as espécies de invalidade – tais como gravidade do vício, (im)possibilidade de sanação e conseqüências de sua verificação (ineficácia ou eficácia interimística, conforme veremos mais adiante) – , com as pessoas que estariam legitimadas para levar a juízo tais questões. Explique-se.
Ao adotar a terminologia “nulidade absoluta” os doutrinadores franceses partem do pressuposto que em face da gravidade da espécie que denominamos nulidade, qualquer interessado, como também o Ministério Público, pode alegá-la, sendo lícito, inclusive, que o magistrado reconheça ex officio a necessidade de sua decretação. Logo, dentro deste raciocínio, estaríamos diante de espécie de caráter absoluto, já que oponível por todos.
Em sentido oposto, decidiram denominar “de nulidade relativa” aquilo que precisamos como anulabilidade, ao argumento que nestas situações apenas se reconhece legitimação às pessoas que diretamente experimentam as conseqüências indesejáveis do ato viciado. Até porque em tais situações os envolvidos podem desejar apenas a sanação dos vícios detectados, hipótese em que sequer se apagam seus efeitos do ato em questão.
Não se mostra de boa técnica tal formulação, já que cabe ao legislador (e não a doutrina) disciplinar as conseqüências jurídicas aplicáveis aos defeitos detectados nos atos jurídicos, como também definir as pessoas legitimadas para levar o caso à apreciação do Poder Judiciário.
Neste sentido, o simples fato de nosso sistema prever situações de nulidade relacionadas apenas a interesses das partes e, portanto, apenas por elas alegáveis, demonstra que os limites subjetivos da eficácia da validade25, não se adequam para precisar a terminologia doutrinária empregada para definir os conceitos em análise.
Melhor distinguir as espécies de nulidade em sentido próprio, para que ao lado da espécie anulabilidades, passe-se a entender que dentro da noção de nulidade de pleno direito, posto que passíveis de alegação por qualquer interessado e pelo Ministério Público (logo, absolutas) e nulidade dependente de alegação, para os casos onde o vício só possa ser atacado pela(s) pessoa(s) diretamente interessada(s), correspondendo à denominada “nulidade relativa”26.
Em síntese, pelo demonstrado acima, não se deve confundir a espécie anulabilidade com a “nulidade relativa” (=nulidade dependente de alegação), que apenas se aproximam quanto aos limites subjetivos que legitimam sua alegação. Enquanto a primeira permite que o defeito seja sanado, a outra acarreta a impossibilidade de sanação do mesmo e sequer admite sua confirmação, em face da gravidade do interesse violado. Por isso, no que concerne à lesão, o tratamento dispensado pelo Código de Defesa do Consumidor (nulidade) não pode ser confundido com a solução apontada pelo legislador do Código Civil vigente (anulabilidade).
Resta ainda analisar se, no caso da lesão especial, a invalidade se apresenta de modo total ou parcial. Para tanto, há de se observar se é possível excluir a parte invalidade sem descaracterização o suporte fático do negócio. Em caso de resposta afirmativa, em face da disciplina do art. 184 do CC/02, sua ocorrência não prejudicaria na parte válida, aquilo que foi pactuado entre os contratantes.
Ocorre que a mácula do negócio onde se evidencia a lesão especial ocorre na desconsiderável desproporção entre as prestações, logo, o vício está nos elementos completantes do núcleo do suporte fático, donde se concluir que quase sempre estaremos diante de invalidação total do negócio. Além disso, a invalidade em estudo é de cunho substancial (=material), o que acaba dificultando sua sanabilidade na hipótese das partes não chegarem a um acordo.
4.3 – Aplicação do princípio da conservação dos atos jurídicos
Não se pode perder de vista que em face do princípio da conservação dos atos jurídicos, os operadores, mesmo quando colocados frente a defeitos invalidantes devem tentar aproveitar, ao máximo a intenção negocial manifestada pelas partes, evitando que os efeitos práticos desejados sejam perdidos, evitando-se o desperdício da atividade jurídica.
Neste sentido, vale destacar que no caso da lesão especial, o Código Civil determina que não se decrete a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito (§ 2º, Art. 157, CC/02). Tem-se, pois, uma clara opção pela extinção da invalidade em questão, até porque, diferentemente do que ocorre com defeitos que ensejam nulidade, no caso da lesão especial, o contrato celebrado gerou, desde sua conclusão toda sua eficácia jurídica.
Pontes de Miranda, ressaltando o caráter provisório de tal eficácia, a denomina interimística, esclarecendo que perdurará até que o ato seja desconstituído por sentença ou tornar-se-á definitiva após conclusão do lapso decadencial27 sem que a ação de anulação seja proposta28.
De fato, pelo decurso do tempo decai o direito a anulação do ato onde se constatou considerável desproporção entre as prestações. Anote-se que esta desproporção ainda persiste, apenas não mais pode ser alegada pelos contratantes (nem por via de exceção, ex vi do disposto no art. 190 do CC/02), em face da garantia da segurança jurídica.
Em geral, a eliminação da causa invalidante do negócio jurídico anulável opera-se tanto pela sua confirmação como por assentimento posterior, tendo qualquer destas situações efeitos retroativos à data em que se concluiu o negócio. Daí concluir-se ser desnecessária sua repetição, providência apenas essencial quando se estiver diante de casos de nulidade, tal qual se verifica com a lesão no campo das relações de consumo e na Lei de Economia Popular. Nestes casos, deve-se ressaltar que a repetição constitui um novo negócio jurídico, sem qualquer relação com o anteriormente praticado e removido do sistema em face do defeito verificado.
A sanação pela confirmação29 ou por assentimento posterior não deve ser confundida com a convalidação. Esta é decorrência da inércia do legitimado à propositura da ação anulatória, durante determina período ode tempo, enquanto que aquela permite remover o defeito encontrado30.
Dentre as formas de sanação mencionadas, interessa apenas distinguir a confirmação, na medida em que pode ser relacionada ao estudo da lesão especial. Por sua natureza unilateral, basta que o legitimado para propor a ação anulatória confirme o negócio, independentemente da aceitação do outro figurante, para que ocorra, já que estamos diante de manifestação não-receptícia de vontade31.
Ressalte-se que a confirmação pode se operar tanto de forma tácita (basta, v.g., o cumprimento espontâneo da obrigação, desde que a parte que seria prejudicada, tenha ciência do defeito) quanto expressa e reveste-se de irrevogabilidade, muito embora não tenha caráter absoluto, vez que não pode ser exercício em prejuízo de terceiros, ante o disposto no art. 162, CC/02.
Também não parece possível imaginar-se modos de conversão de contratos manifestamente lesivos aos interesses dos consumidores, posto que a conversão, enquanto instituto jurídico, exige que no mesmo suporte fático do ato jurídico inquinado esteja contida a hipótese de incidência normativa de outro negócio considerado válido pelo ordenamento32.
É de se notar também que a conversão não é o caminho adequado se a é intenção atacar os efeitos do ato jurídico nulo ou anulável, já que o instituto não guarda qualquer tipo de relação com os mesmos. Evidente também que a conversão não se presta para tentar “salvar” atos inquinados por defeitos de ilicitude ou impossibilidade do objeto.
Carece também de utilidade prática tratar do instituto da conversão em relação aos vícios que ensejam apenas anulabilidade, até porque, nestes casos a sanação dos mesmos é possível, embora não exista, em tese, nenhum obstáculo para sua utilização.
Só não se deve confundir os institutos. A sanação, ao extirpar o defeito, impõe-se ex novo, experimentando efeitos retro-operantes. Já a conversão não faz desaparecer a invalidade, apenas aproveita dados fáticos aptos para que o resultado prático almejado seja obtido através de outro negócio, contido no anterior.
Esclareça-se que o que foi dito acima sobre sanação e convalidação são possibilidades que no mundo dos fatos ocorrem antes da decisão de submeter o caso a apreciação do judiciário. A confirmação pode se dar de modo espontâneo. A convalidação se opera com o transcurso do tempo anterior a demanda judicial. Em ambos os casos consideram-se a figura da parte lesada, não do lesionário.
Nada obstante, pode ser que o caminho da conservação do negócio não seja o objetivo dos envolvidos, pelo que assume relevo as observações acerca da desconstituição do ato jurídico inválido formuladas a seguir.
4.4 – Da desconstituição do negócio, em face da constatação da lesão invalidante.
Quando um dos figurantes do negócio decide acionar o Judiciário visando à apreciação dos termos do que fora pactuado para se decidir acerca da existência (ou não) de defeito invalidante, verificam-se, em geral, duas espécies de decisão:
a) Pode o magistrado convencer-se da adequação do ato ao sistema jurídico e, neste caso, reconhecer sua validade, tendo sua decisão conteúdo meramente declaratório, constatando-se apenas as qualidades do que fora avençado; ou
b) As circunstâncias fáticas podem desenhar hipótese incompatível com o sistema jurídico, cabendo ao magistrado, por requerimento da parte que interpôs ação de nulidade no modo e tempo devidos, proferir sentença de desconstituição do negócio, cuja eficácia apresenta matiz constitutivo-negativa, na medida em que determina a exclusão do que fora pactuado do mundo do direito.
Não se perca de vista que a desconstituição do ato jurídico eivado do vício da lesão também pode ser obtida incidenter tantum, quando, por exemplo, oposta enquanto exceção numa ação baseada em ato jurídico inválido. De qualquer sorte, importante registrar que a desconstituição do ato jurídico anulável somente pode ocorrer através de um comando judicial.
Quanto à deseficacização, pode-se dizer que o negócio que era, por conseqüência da anulação (ou resolução, rescisão...) deixa de ser no mundo jurídico e, simultaneamente, perde, em regra, toda a eficácia que produziu; os efeitos que dele se irradiaram são desmanchados e devem ser tratados como se nunca houvessem existido. A deseficacização, nessas espécies, é total, repondo-se os figurantes ao estado anterior33.
Perceba-se que situação diferente pode ocorrer em relação ao defeito da lesão descrito no Código de Defesa do Consumidor. Nem sempre se mostra necessária à desconstituição do ato jurídico inquinado de nulidade, pois se entende que os efeitos do ato jurídico nulo são apenas aparentes, porque não existem para o mundo do direito34.
Desse modo, naqueles casos onde não se faz necessário o registro do avençado (ou ainda nas hipóteses onde tal providência ainda não foi efetivada) a desconstituição judicial só se torna essencial se a parte beneficiada insiste em exigir cumprimento do que fora pactuado de modo consideravelmente desproporcional.
Até o momento, podem-se relacionar as seguintes diferenças acerca do instituto da lesão do CDC e a lesão especial introduzida no CC/02. A atribuição da sanção da nulidade no campo das relações de consumo aos negócios praticados de modo considerável e manifestamente desproporcional não permite a sanação do pactuado, restando apenas, se possível, a hipótese da repetição do ato.
A lesão introduzida na novel legislação civilística admite tanto a confirmação (comportamento ativo com objetivo de eliminar o defeito) quanto a convalidação do ato (inércia caducificante). Nesta última espécie considerada, a desconstituição dos efeitos, conforme visto, torna-se providência essencial, já que desde sua constituição irradiam-se efeitos, que embora provisórios (por que interinos), são essencialmente aqueles desejados pelos figurantes do pacto.
Ocorre que da leitura do disposto no parágrafo segundo do art. 157 do Código Civil vigente, parece que a vítima da lesão, ou seja, aquele que por força do pactuado deve suportar a prestação cuja desproporção é considerável, não tem o direito de pleitear a revisão judicial do avençado, apenas requerer sua desconstituição.
Por outro lado, à parte beneficiada (lesionário) caberia a opção de propor a sanação do negócio mediante realinhamento das prestações de modo equânime. Aqui parece evidente a necessidade de uma ponderação das regras. Se o lesado, pode o mais – requerer a desconstituição do negócio – porque não poderia pleitear solução menos gravosa e até mais consentânea com o princípio da conservação dos atos jurídicos ?
Não fosse tudo isso, há de se considerar ainda que como a doutrina ainda assegura vigência ao tradicional princípio da obrigatoriedade dos contratos caso o lesionário deseje manter o negócio, discutindo novas bases, não será lícito ao lesado, autor de eventual ação anulatória, rechaçar tal pedido, impondo unilateralmente o desfazimento do pactuado.
Evidencia-se, neste ponto, um descompasso entre a realidade negocial e o regramento da matéria, o que deve ser resolvido através de um processo interpretativo, que transcende o enunciado estático do dispositivo em questão, afinal, o que se deve entender por norma são os sentidos construídos, mediante interpretação, a partir dos textos normativos. Pela interpretação, ou melhor, pela decisão acerca de qualquer forma interpretativa devemos utilizar – em face dos núcleos de sentido preexistentes – preenchemos os dispositivos com significados35.
Dentro deste norte, parece evidente que a conseqüência estabelecida pelo enunciado do texto normativo pode (e deve) deixar de ser aplicada em face de razões substanciais (até por imperativo constitucional), consideradas pelo aplicador, mediante decisão fundamentada com elementos superiores à própria regra. Tal orientação instiga o intérprete a examinar a razão que fundamenta a própria regra para compreender, restringir ou ampliar seu conteúdo de sentido ou para se justificar seu descumprimento36.
Na se pode no momento atual da experiência jurídica permanecer aplicando dispositivos normativos dentro da perspectiva do “tudo ou nada” de sua aplicação. Deve-se levar em consideração, no momento da interpretação condições e circunstâncias concretas e individuais, o que faz com que a ponderação de fatores variáveis se mostre mais do que necessária, mas essencial37.
Por isso, a melhor solução para o caso em tela, construída sobre uma interpretação de matiz civil-constitucional, é que o lesado tem a faculdade de escolha entre pleitear a revisão judicial do avençado ou requerer o desfazimento do negócio. Só que a segunda alternativa pode ser obstada pelo lesionário, sob forma de exceção, no momento de sua resposta processual, desde que não tente oferecer apenas uma redução de fachada que não se mostre apta a romper com a desproporção antes verificada. Busca-se, desse modo, preservar a base do negócio, seu conteúdo ético-jurídico, afinal, os interesses do outro lado também precisam ser considerados, nem sempre se devendo anular o negócio em razão dos vícios internos do consentimento.
V. CONCLUSÃO
Em que pese forte corrente doutrinária não encontrar diferenças entre o plano da validade e dos efeitos do fato jurídico, demonstrou-se que tal modo de conceber o fenômeno jurídico deve ser estudado e empregado, porquanto útil para explicar o fenômeno em sua totalidade.
O plano da validade atua como um filtro, podendo ser descrito como uma fase de “controle de qualidade” onde se deve perquirir se os elementos constituintes do fato jurídico apresentam defeitos que influem em sua perfeição, isto é, em sua conformidade com o previsto no ordenamento jurídico. A conseqüência desta não adequação aos ditames do ordenamento, como vimos é a sanção da invalidade.
Tal compreensão, aliada a consideração da natureza imputacional e valorativa das normas que conformam este plano, facilita o estudo dos vícios de consentimento previstos na legislação vigente, em especial à compreensão da lesão, dada à diversidade de suportes fáticos descritos pelo sistema. Precisão na definição dos institutos deve ser preocupação de todo operador do direito, transcendendo o campo da teoria geral, embora ali encontre seu nascedouro.
Contudo, tal rigor teórico não pode ser confundido com preciosismo nem com obediência cega a meros enunciados normativos. Demonstrou-se que é possível empreender-se uma interpretação construtiva de significados mais consentâneos com as aspirações e necessidades do cotidiano negocial.
O instituto da lesão cumpre seu papel, sem embargo da necessidade de se formular um raciocínio que confira maior peso aos argumentos relativos à vulnerabilidade de uma das partes, já que atualmente só se podem conceber as prerrogativas individuais quando se mesclam aos objetivos de toda a comunidade.
É preciso deixar de lado o formalismo buscando a “materialização” do direito através da particularização das situações dentro da nova dinâmica das relações sociais focalizando no problema de sua legitimação, que passa pela delimitação do sentido de Justiça.
A Justiça contratual, enquanto código formal, racional e genérico, calcado na noção de igualdade, revela-se insuficiente, uma vez que a preocupação do intérprete e aplicador do direito deve estar voltada para o aspecto material e concreto do conceito, neste sentido, apostamos na compreensão do fenômeno jurídico em planos distintos, mas inter-relacionados, como ponto de partida para enfrentar tais desafios.
1 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, v.1, 2002, p. 226.
2 Art. 4.º, da Lei 1.521/51 - Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: (...) b) obter, ou estipular, em qualquer contato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que excede o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
3 A referência ao pensamento do Professor Caio Mário, mais especificamente a seu livro sobre lesão nos contratos, colhe-se em diversos autores citados na bibliografia. A vigência da lesão usurária na Lei de Economia Popular, ainda que concebida para a seara criminal, lançou novas luzes sobre a teoria contratual. Nada obstante, o que se deve ressaltar neste ponto é que seja considerada como causa de nulidade, seja identificada como defeito do negócio, equiparando suas conseqüências ao tratamento previsto para os vícios de consentimento tradicionais (erro, dolo ou coação), o importante é o ingresso da noção do instituto da lesão na seara cível, bem antes de sua positivação no Código Civil, mediante construção doutrinária e jurisprudencial.
4 Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: (…) V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.
5 Art. 157, NCC. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
6 Cf. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 22 ed., 1995, passim.
7 A expressão “sistema jurídico” deve ser aqui entendida entendido como o ordenamento jurídico consistente, posto que purificado, livre de incoerências e aparentes conflitos normativos (antinomias).
8 Teoria do Fato Jurídico, Plano da validade, p. 51/52. Pelo exposto, percebe-se que os efeitos da sanção da invalidade atuam retirando a utilidade pratica das condutas do infrator.
9 Teoria do Fato Jurídico. Plano da Validade, p. 09.
10 MELLO, Marcos Bernardes. Op. Cit., p. 18.
11 MELLO, Marcos Bernardes. op. Cit., p. 12.
12 Cf. Op. Cit. pp. 104-106.
13 MELLO, Marcos Bernardes, p. 13. O estudo do plano da validade toma especial relevo dentro da matéria dos defeitos do negócio jurídico, embora é necessário deixar evidente que a enunciação de princípios gerais nesta seara não se torna factível diante da presença de diversas exceções aos modelos propostos.
14 Também há de se considerar que o lucro move o interesse dos figurantes da relação negocial, sem que a busca pelo mesmo seja sempre considerada imoral ou tenha o condão de inquinar o negócio. Por isso, andou bem o legislador ao deixar para o prudente arbítrio do juiz a consideração acerca da ocorrência ou não de desproporção entre as prestações pactuadas (art. 157, §1.º), ou apenas a ocorrência de um bom negócio, vantajoso para uma das partes. O sistema tarifário adotado na experiência romana e na lei de usura acaba sendo arbitrário na medida de sua inflexibilidade, o que não se coaduna com a realidade social, sobretudo no campo negocial.
15 Parte da doutrina costuma restringir o âmbito de verificação do instituto da lesão a contratos comutativos (bilaterais e onerosos). Contudo, esta não parece ser a melhor orientação. Não vislumbro argumento eficiente para afastar a possibilidade de incidência do disposto no art. 157 sobre contratos aleatórios. Evidente que em tal forma negocial a incerteza quanto às vantagens que podem ser auferidas pode ser considerada elemento estrutural. Contudo, se os riscos forem inexpressivos para um dos contratantes, também restará configurada a lesão.
16 Este parece ser o traço distintivo mais forte entre os institutos a lesão e da onerosidade excessiva, previsto no art. 478 do CC/02. Neste a desproporção ocorre em momento superveniente ao da celebração do contrato, o que permite apenas a revisão do pactuado, mas não sua invalidação.
17 TEPENDINO, Gustavo. citando Ana Luiza Maia Nevares, in Código Civil Interpretado, p. 294.
18 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado, v. 1, p.441.
19 In Curso de Direito Civil, v. 1, p. 328.
20 Op. Cit. p. 331.
21 LOTUFO, Renan. Op. Cit., p. 442.
22 TEPENDINO, Gustavo. In Código Civil interpretado, p. 295.
23 Trata-se de posicionamento que não é pacífico na doutrina pátria. A esse respeito, ver, dentre outras opiniões dissonantes, Sílvio de Salvo Venosa, Fábio Ulhoa Coelho e Sílvio Rodrigues, nas obras indicadas nas referências bibliográficas.
24 Cf. MELLO, Marcos Bernardes. Op. Cit., p. 61.
25 Idem, p. 63.
26 Idem, ibidem.
27 Vide art. 178 do CC/02 que prescreve prazo de 04 anos para o exercício de tal ação anulatória.
28 MELLO, Marcos Bernardes. Plano da Validade, 228. Cf. Tratado de direito privado, t. IV, p. 48 e seguintes.
29 Não confundir com ratificação, que apenas objetiva integrar ato praticado de modo incompleto e não eliminar defeito existente (Idem, p. 237).
30 Aqui, lapidar a explicação de Marcos Mello contida em sua obra que trata do plano da eficácia: “A confirmação e a sanação de ato anulável não implicam em pós-eficacização, uma vez que sua eficácia já se produziria completamente, embora passível de desconstituição por fora de anulação judicial do ato. Com a confirmação ou sanação apenas se consolidam os efeitos já produzidos; não se irradiam novos efeitos. (...) é possível, no entanto, que norma jurídica posterior altere o conteúdo abstratamente posto de certa relação jurídica, passando os novos conteúdos a compor, modificando, o teor das relações jurídicas já existentes. A nova eficácia atua de imediato, mas, sempre, ex nunc”. (p. 65 e 66)
31 Marcos Bernardes de Mello demonstra que a confirmação não se refere aos efeitos do negócio jurídico anulável, atuando nos planos da existência e da validade, já que os efeitos do negócio em tela já existem, ainda que de modo interino (=eficácia interimística) desde sua conclusão.
32 A conversão, pelo exposto, somente é admissível sem a criação de suporte fático novo, pois o ato a ser “convertido” já deve estar concretizado no ato inválido e deve refletir o mesmo resultado prático almejado pelo ato jurídico anterior (CF. MELLO, Marcos Bernardes. op. cit., p. 253.
33 Cf. MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Eficácia, p. 67. Entretanto se os efeitos são daqueles que, por sua essência, não podem ser desconsiderados, porque impossível de restaurar-se o estado anterior (impossibilidade material), a deseficacização impõe que haja reparação por meio de indenização. (p. 68) Sem embargo, a eficácia jurídica está sujeita a limites que podem resultar, dentre outros fatores, da natureza do próprio fato jurídico, da vontade dos figurantes (=restrições), de expressa disposição de lei ou do âmbito de valência do sistema jurídico em que o fato jurídico foi produzido (p. 224 e seguintes).
34 E se existirem, excepcionalmente, apresentam eficácia putativa, não cabendo destituí-los, porquanto são definitivos.
35 Cf. ÁVILA, Humberto B. Teoria dos Princípios, 4 ed., 2005, p. 38 e seguintes.
36 Idem.
37 Idem, pp. 40 e 41.

NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS PENAIS


Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti
Promotora de Justiça de Alagoas - Pós-Graduada em Direito Constitucional pelo Cesmac – Mestre em Direito pela Ufal
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Sumário
1. Introdução. 2. O fato Jurídico. 3. Conceituação de Negócio Jurídico. 4. Espécies e Classes dos Negócios Jurídicos. 5. A Constituição Brasileira e a criação dos Juizados Especiais. 6. Antecedentes Históricos à Lei n. 9.099/95. 7. Competência e composição dos Juizados Especiais. 8. O ilícito criminal. 9. Princípios utilizados nos Juizados Especiais. 10. A composição dos danos civis. 11. A transação penal. 12. A suspensão condicional do processo. 13. Conclusão.
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1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo a análise dos institutos da composição de danos civis, da transação penal e da suspensão condicional do processo como categorias de negócios jurídicos processuais penais.
Num primeiro momento analisaremos a conceituação do fato e negócio jurídicos sob a óptica de Pontes de Miranda e Marcos Bernardes de Mello.
Partindo da premissa de que ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico são situações distintas, analisaremos o negócio jurídico: unilateral, bilateral e plurilateral.
A partir da verificação teórica das classes negociais, demonstraremos os procedimentos da composição de danos, da transação e da suspensão condicional do processo, que foram instituídos no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal e pela Lei n. 9.099/95.
Pretendemos demonstrar que a Lei n. 9.099/95, trouxe um novo modelo de justiça criminal, sobretudo porque regulamentou o rito sumaríssimo para a apuração das infrações de menor potencial ofensivo, instituiu a realização de audiência preliminar para a tentativa de composição civil e de transação penal, possibilitou a suspensão condicional do processo, o julgamento de recursos por turmas recursais de juízes de primeira instância, entre outras relevantíssimas inovações.
Sem pretensão de esgotar o tema, nosso objetivo consiste em demonstrar que a conceituação apresentada pela teoria geral do direito para o negócio jurídico pode ser aplicada à composição de danos civis, à transação penal e à suspensão condicional do processo e que esses institutos, pela sua natureza e requisitos, são exemplos de negócios jurídicos praticados no âmbito criminal.
2. O fato jurídico
No campo da Teoria Geral do Direito é o fato jurídico o tema de maior relevância por várias razões, conforme veremos.
A noção fundamental do direito é a de fato jurídico, depois, a de relação jurídica. O mundo do direito é composto de relações jurídicas, direitos, deveres, obrigações, pretensões, ações, exceções. Também é constituído de conseqüências jurídicas, como os poderes, ônus, atribuições e qualificações que envolvem os homens em suas relações intersubjetivas.
Com a finalidade de organizar a vida em sociedade e, por conseguinte, a conduta humana, o direito valora fatos e, por meio das normas jurídicas, erige à categoria de fatos jurídicos aqueles que têm importância para o relacionamento inter-humano.
Somente o fato que esteja regulado pela norma jurídica pode ser considerado um fato jurídico, ou seja, um fato gerador de direitos, deveres, pretensões, obrigações ou de qualquer outro efeito jurídico.
A constatação de que há fatos relevantes, a que a norma jurídica imputa efeitos no plano do relacionamento inter-humano, e fatos que, considerados irrelevantes, permanecem sem normatização, permite distinguir, dentro do universo dos fatos - o mundo em geral ou mundo fáctico e o mundo jurídico – formado apenas pelos fatos jurídicos.
Os fatos do mundo ou interessam ao direito, ou não interessam. Se interessam, entram no que se chama mundo jurídico e se tornam fatos jurídicos, pela incidência das regras jurídicas. Pontes de Miranda assevera que “por falta de atenção aos dois mundos muitos erros se cometem e, o que é mais grave, se priva a inteligência humana de entender, intuir e dominar o direito”.1
O conceito de fato jurídico é imprescindível para a exata compreensão da ciência do direito, sendo aplicável em todas as áreas do direito, inclusive na esfera penal.
No brocardo latino nullum crimen, nulla poena sine lege estão contidos os elementos da conceituação do fato jurídico na esfera penal. Significa dizer que não se pode considerar um fato como crime (fato jurídico ilícito criminal), nem lhe ser imputada uma pena (conseqüência jurídica), sem que uma norma específica (lei) o defina como crime e apresente a sanção correspondente.
O ato doloso causador de dano ao patrimônio de alguém é um exemplo de fato jurídico ilícito previsto tanto pelas normas cíveis como penais.
Encontramos na obra do professor Marcos Bernardes de Mello o melhor conceito de fato jurídico: “[...] fato que a norma jurídica atribui, especificamente, certas conseqüências jurídicas no relacionamento inter-humano”.2
Não obstante abranger a classificação ponteana acerca dos fatos jurídicos lato sensu, os fatos jurídicos e os atos jurídicos stricto sensu, dentre outros, será a pesquisa centrada nos negócios jurídicos processuais penais.
Destarte, imprescindível se faz a apresentação de sua conceituação, que será objeto do tópico seguinte.
3. Conceituação do Negócio Jurídico
A contribuição científica dos alemães, por meio da Escola Pandectista, no campo da teoria geral foi grandiosa, uma vez que influenciou a ciência jurídica de todos os povos que se filiavam ao direito romano, com exceção da França.
Nesse contexto, o conceito de negócio jurídico foi construído sob a inspiração ideológica do Estado liberal, cuja característica principal consistia na preservação da liberdade individual diante do Estado. Em razão desse fato a doutrina clássica cristalizou o entendimento de que a declaração de vontade era elemento do negócio jurídico em si mesmo.
Posteriormente, sob a influência kelseniana, a vontade negocial foi potencializada em grau tão elevado que atribuiu caráter normativo ao negócio jurídico. Assim, segundo eles, o negócio jurídico criaria normas jurídicas individuais.
Ocorre, que essa definição de negócio jurídico como ato de autonomia da vontade não responde a todos os questionamentos e não serve a todos os exemplos práticos, uma vez que nega um dado essencial caracterizador do fenômeno jurídico – a norma jurídica como delimitadora do mundo jurídico.
Segundo Marcos Bernardes de Mello:
[...] a juridicidade somente existe por força da incidência de norma jurídica sobre os fatos da vida que ela própria define como sendo seu suporte fáctico. Sem a definição normativa não há de falar-se em fato jurídico. Nada no mundo é jurídico por si. Daí, ressalta à evidência que uma exteriorização consciente de vontade somente poderá gerar um negócio jurídico se, estando prevista como suporte fáctico de norma jurídica, recebe sua incidência. Sem a previsão normativa vontade alguma pode ser considerada negócio jurídico; será mero fato da vida, sem relevância jurídica alguma.3
Após analisar os conceitos de negócio jurídico apresentados pela doutrina pátria e alienígena, preferimos aquele apresentado por Marcos Bernardes de Mello, por ser o mais completo e por atender a quaisquer situações possíveis, para quem:
[...] negócio jurídico é o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fáctico consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.4
Daí porque optamos pela definição de negócio jurídico acima, por corroborar o entendimento do citado autor, de que no negócio jurídico a demonstração da vontade tem a função de compor o seu suporte fáctico, jamais podendo ela própria ser considerada o negócio jurídico.
A vontade somente tem importância no mundo jurídico se prevista como suporte fáctico de alguma norma jurídica. A vontade não constitui, por si só o negócio jurídico, mas necessita que a norma jurídica a transforme, juntamente com os demais elementos por ela previstos como necessários, em fato jurídico.
Cumpre salientar que sem a incidência da norma a vontade não entrará no mundo jurídico e, portanto, não há como se falar em negócio jurídico ou qualquer outra espécie de fato jurídico.
Importante ressaltar que o ato jurídico stricto sensu e o negócio jurídico são situações jurídicas distintas, senão vejamos.
O ato jurídico é um fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fáctico a manifestação ou declaração unilateral de vontade, porém seus efeitos são prefixados pelas normas jurídicas e não cabe à pessoa qualquer escolha da categoria jurídica ou da estruturação do conteúdo das relações jurídicas. Como exemplo, temos o reconhecimento da filiação não resultante de casamento. Nessa declaração, não há qualquer dose de escolha de categoria jurídica, cabendo ao genitor a prática do ato do reconhecimento, apenas. Por isso, não é possível fazer-se o reconhecimento sob condição, ou a termo, ou com encargos.
No negócio jurídico a vontade é manifestada para compor o suporte fáctico de determinada categoria jurídica, a sua escolha, com o fim de obter efeitos jurídicos que podem ser determinados pelo sistema ou manifestados livremente por cada um, o que não ocorre com o ato jurídico stricto sensu.
No negócio jurídico a vontade não cria efeitos, uma vez que eles são definidos pelo próprio ordenamento, estabelecendo o campo de atuação da vontade individual. Logo, não há efeito jurídico ex voluntate. Todos são ex lege, no sentido de serem atribuídos pela norma jurídica.
À vontade negocial o sistema jurídico prescreve limites relativos à própria manifestação de vontade, permitindo-a ou proibindo-a e ao seu conteúdo, quando admitida.
Depreende-se daí que nem toda manifestação de vontade pode ser aceita como negocial, ou seja, capaz de produzir negócio jurídico. Não há um caráter absoluto no poder de auto-regulamentação da vontade, o direito estabelece pressupostos que devem ser atendidos para que a vontade possa entrar no mundo jurídico como negócio jurídico.
A indeterminação das normas jurídicas está relacionada com a maior ou menor especificidade de suas disposições, quando maior a indeterminação das normas jurídicas, maior a autonomia da vontade e, inversamente, quanto menor a indeterminação, menor a autonomia.
Havendo indeterminação, o suporte fáctico é até certo ponto livre às pessoas, desde que esteja em consonância com o sistema jurídico vigente, não ficando limitadas a tipos negociais específicos. A vontade negocial, assim, só tem poder de escolha dentro dos limites traçados pelo ordenamento jurídico, não sendo livre e muito menos absoluta como queriam os Pandectistas.
Segundo Pontes de Miranda: “A falta de vontade de negócio jurídico exclui a existência da declaração de vontade ou da manifestação de vontade (= ato adeclarativo) para compor suporte fático do negócio jurídico: não há negócio jurídico.”5
Na esfera criminal, por meio da incidência da norma jurídica reguladora da matéria (Lei n. 9.099/95) e dentro dos limites por ela traçados, há possibilidade de se realizar negócios jurídicos, por meio dos institutos da composição de danos civis, da transação penal e da suspensão condicional do processo, sendo o elemento volitivo indispensável para a sua validade.
Feitas essas considerações acerca da conceituação do negócio jurídico, importante se faz uma análise das espécies e classes de negócios jurídicos existentes no nosso ordenamento jurídico, a fim de tratar especificamente do tema dessa monografia, qual seja, do negócio jurídico processual penal.
4. Espécies e Classes dos Negócios Jurídicos
Os contratos são negócios jurídicos por excelência, mas existem outros tipos de negócios jurídicos civis, como o testamento, a constituição de condomínio, de sociedade etc.
No tocante ao negócio jurídico processual penal, podemos elencar a composição de danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo.
Os negócios jurídicos são classificados segundo vários critérios, levando em conta algumas características que se apresentam quando da sua utilização prática. Enumeraremos apenas algumas de suas classes, que nos parecem importantes para o entendimento do negócio jurídico.
Há negócios jurídicos unilaterais, que se constituem de uma única manifestação de vontade, que para existirem basta a manifestação de vontade suficiente à composição do suporte fáctico e que estejam concretizados todos os elementos completantes do suporte fáctico. Como por exemplo, no testamento, não basta que a pessoa exteriorize sua vontade dispondo sobre seus bens após a morte, porque o sistema exige que tal disposição seja feita através de forma própria.
Existem negócios jurídicos bilaterais, que necessitam para existir de duas manifestações de vontade diferentes e recíprocas, concordantes e coincidentes, sobre o mesmo objeto. Forma-se o negócio jurídico bilateral no momento em que os figurantes materializam o acordo. Como exemplo, temos a composição de danos civis, em que as partes devem discutir e acordar sobre todos os termos do acordo que deverá ser homologado pelo juiz competente.
Por fim, existem os negócios jurídicos plurilaterais em que as manifestações de vontade são emanadas de mais de dois lados diferentes, mas que não são, propriamente opostas, convergindo sobre o mesmo objeto. O negócio jurídico plurilateral típico é o contrato de constituição de sociedade. Na sociedade, simples ou empresarial, não há relações jurídicas dos sócios entre si, especificamente, mas relações de cada um com o todo, a sociedade.
Devemos informar que existem também negócios jurídicos causais e abstratos, fiduciários, inter vivos e mortis causa, consensuais e reais, patrimoniais, solenes e não-solenes, típicos e atípicos, unos, unitários e complexos, que não apresentaremos conceituação por não interessarem diretamente ao objetivo desde trabalho.
Apresentadas a conceituação e as classes de negócios jurídicos existentes no ordenamento jurídico, iniciaremos o estudo das modificações instituídas pela Constituição Federal de 1988 na legislação penal brasileira, com a criação dos juizados especiais criminais. Analisaremos também o procedimento utilizado pela Lei n. 9.099/95 para os crimes de menor potencial ofensivo, para então iniciar o estudo dos negócios jurídicos penais, - da composição civil, da transação penal e da suspensão condicional do processo - cerne desse trabalho monográfico.
5. A Constituição e a criação dos Juizados Especiais
Os Constituintes de 1988, impressionados com o número elevado de infrações de pouca monta a emperrar a máquina judiciária sem nenhum resultado prático, uma vez que, quando da prolação da sentença, ou os réus eram beneficiados pela prescrição retroativa, ou absolvidos em virtude da dificuldade de se fazer prova, e principalmente considerando a tendência do mundo moderno de se adotar um Direito Penal mínimo, procuraram medidas alternativas que pudessem agilizar o processo, possibilitando uma resposta rápida do Estado à pequena criminalidade, sem o estigma do processo, à semelhança do que ocorria com a legislação de outros países.
Impressionados também, como assevera Tourinho Filho:
[...] com o número excessivo de encarcerados, número esse desproporcional ao de celas (enquanto tínhamos cerca de 110 mil presos, as celas não chegavam a 60 mil), o que ocasionava constantes rebeliões nas penitenciárias e casas de detenção (circunstância essa que infelizmente perdura), e entusiasmados com as novidades introduzidas nos ordenamentos europeus (a Lei n. 689/81, da Itália, que se converteu no art. 444 do atual Códice de Procedura Penale, o Código português e o ordenamento processual penal francês, dentre outros), bem como com os excelentes resultados que o Juizado Especial de Pequenas Causas vinha apresentando no cível desde 1984, os legisladores constituintes procuraram solução para o processo e julgamento das infrações de menor potencial ofensivo.6
Os legisladores desejavam uma solução alternativa que emprestasse rapidez à Justiça, sem despenalizar, por inteiro, aquelas condutas. Permitir o simples arquivamento, sem embargo da ilicitude do comportamento, não lhes pareceu uma providência acertada.
Com as varas criminais enfrentando extraordinária sobrecarga de processos atinentes a infrações de menor e médio potencial ofensivo, pouco tempo era destinado pelos órgãos de execução da justiça para os processos de maior complexidade. Era preciso abrir espaço para que os órgãos que integram a Justiça Penal pudessem dedicar-se mais aos graves problemas criados pelos crimes de elevado ou elevadíssimo potencial ofensivo, como o homicídio, o estupro, o tráfico de drogas, o seqüestro, o crime organizado etc.
Assim, foi introduzido na Constituição Federal o art. 98, I, onde resta estabelecido que a União no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados devem criar juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.
6. Antecedentes históricos à Lei n. 9.099/95
A Lei n. 7.244, de 7 de novembro de 1984, criou o Juizado Especial de Pequenas Causas Cíveis, que foi instalado em diversas comarcas, muito embora encontrasse resistência de advogados e até mesmo de alguns juízes, que não se dispunham a instalá-lo. Tais Juizados vinham operando e resolvendo os conflitos patrimoniais com valor não excedente a vinte vezes o salário mínimo, apresentando resultados satisfatórios e incentivando a sua instalação em outras comarcas, como antiga aspiração de uma justiça mais informal e rápida.
Apesar de a Constituição Federal de 1988 ter previsto a criação também dos Juizados Especiais Criminais em todo o país para infrações penais de menor potencial ofensivo, o tempo foi passando sem que elaborasse a devida lei federal, e isso estava sendo reclamado com insistência pelos especialistas e interessados numa distribuição criminal mais célere.
Aliás, as pequenas infrações penais, como as contravenções e os crimes punidos com pena máxima de um ano, vinham abarrotando as varas e comarcas, com procedimentos morosos e resultados duvidosos, sobrecarregando as autoridades na esfera penal e com prejuízos para a imagem da justiça perante a opinião pública.
Mas mesmo com esses inconvenientes, que emperravam a distribuição da justiça criminal, não se via disposição e vontade política dos legisladores em dotar o País de uma lei criadora desse Juizado Especial, embora alguns Estados o tivessem implantado, por meio de leis estaduais, suportando até a pecha de inconstitucionais, a exemplo do Mato Grosso do Sul em 1990 e da Paraíba em 1991.
Sete anos após, é promulgada a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que definiu infração de menor potencial ofensivo e estabeleceu regras para a transação penal e para o procedimento sumaríssimo, dentre várias outras providências.
A Emenda n. 22, de 18 de março de 1999, acrescentou um parágrafo único ao art. 98 da Constituição, estabelecendo que Lei Federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Então, promulgada a Lei federal n. 10.259/01 criaram-se os juizados especiais cíveis e criminais federais., no dia 12 de julho de 2001, aos quais se aplicam, no que não houver conflitância, as regras da Lei n. 9.099/95. Há, entretanto, grande inovação nessa nova lei no que se refere ao conceito de infração de menor potencial ofensivo.
De fato, depois de dizer, em seu art. 2o, que compete ao Juizado Especial processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações penais de menor potencial ofensivo, completou, em seu parágrafo único que se consideram infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos da lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.
Como se percebe, além de elevar de um para dois anos o limite da pena cominada, excluiu aquela restrição relativa à previsão de procedimento especial.
7. Competência e composição dos Juizados Especiais
A competência dos juizados especiais decorre de legislação estadual, que, nos termos do art. 95 da Lei n. 9.099/95, tinha prazo de seis meses para ser promulgada a contar da sua entrada em vigor. Tal lei pode estabelecer que o juizado seja composto apenas por juízes togados, integrantes da magistratura, ou por estes e por juízes leigos, que atuarão sob a orientação dos primeiros, na função de conciliadores, precipuamente na tentativa de composição dos danos civis.
Os conciliadores serão recrutados na forma da lei estadual, de preferência entre bacharéis em Direito, estando excluídos os que exerçam função na administração da Justiça Criminal (art. 73, parágrafo único).
Os juizados são compostos de juízes togados e leigos, estes últimos atuam apenas na fase inicial do procedimento – na fase de conciliação entre as partes.
No tocante à competência, verifica-se que a própria Constituição Federal permitiu apenas o julgamento de infrações de menor potencial ofensivo, tratando-se, pois, de competência em razão da matéria. Em face disso, conclui-se que se infrações de outra natureza forem julgadas pelo juizado, haverá nulidade absoluta.
8. O ilícito criminal
No momento em que alguém imputável viola direito ou causa prejuízo a terceiro, por ação ou omissão voluntária, pratica um ato ilícito stricto sensu, ou ato ilícito absoluto.
O ato ilícito criminal tem as mesmas características do ato ilícito absoluto, distinguindo deste, apenas em razão da capacidade do agente para cometê-lo.
O crime e a contravenção são espécies de atos ilícitos criminais. Sua distinção também é valorativa, em razão da importância e nocividade do fato delituoso.
O crime é um ato ilícito criminal ao qual o sistema jurídico atribui sanções caducificantes. O ato ilícito caducificante constitui, em essência, um ato ilícito absoluto civil, criminal ou relativo, culposo, cuja eficácia consiste na perda de um direito. No direito penal estão configurados em todas as espécies de crimes e contravenções penais. As penas, portanto, implicam a perda ou restrição de direitos como a liberdade (penas privativas de liberdade e restritivas de direito), aos bens (penas pecuniárias), a incapacidade para o exercício de certos direitos, como a vedação do exercício de cargo público, a inelegibilidade etc.
Assim, o ato contrário a direito provoca a incidência da norma penal e as conseqüências punitivas previstas no seu preceito. Quando se trata de crimes de menor potencial ofensivo a situação não é diferente. A norma penal incide impondo ao Estado o dever de aplicar uma sanção.
Entretanto, com a promulgação da Constituição Federal e a edição das Leis n. 9.099/95 e 10.259/01, os crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a dois anos, passaram a ser considerados de menor potencial ofensivo, tendo havido também uma distinção valorativa em razão de o legislador considerar de pequena nocividade essas condutas.
Nesse caso o Estado abdica do seu direito de aplicar a lei penal em todos os seus termos e apresenta propostas de substituição das penas contidas nos tipos penais por outras menos gravosas. A depender do caso, são aplicados os institutos da composição de danos civis e da transação penal para os criminosos que pratiquem delitos considerados pela lei de menor potencial ofensivo.
Assim que a Lei n. 9.099/95 entrou em vigor, surgiram duas correntes acerca da interpretação do art. 61 que trata do conceito de infração de menor potencial ofensivo. Uma delas entendia que também não estariam abrangidas pelo conceito de infração de menor potencial ofensivo as contravenções penais para as quais existisse rito especial, como por exemplo, o jogo do bicho (Lei n. 1.508/51), enquanto a outra entendia que a exceção era apenas para os crimes.
A polêmica, entretanto, foi logo encerrada, adotando-se o segundo entendimento, uma vez que as contravenções devem ser interpretadas como delitos de menor gravidade, e, por conseguinte, o conceito de infração de menor potencial lesivo abrange todas elas (qualquer que seja a pena), bem como os crimes que tenham pena máxima não superior a um ano, exceto se houver rito especial para apuração destes. O conceito abrange crimes previstos no próprio Código Penal e em legislações extravagantes, desde que a pena em abstrato não exceda a um ano e desde que não haja previsão de rito especial – o que foi modificado pela Lei n. 10.259/01, senão vejamos.
A lei que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais estabeleceu em seu art. 2.º, parágrafo único, que consideram-se infrações de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.
A mesma lei, em seu art. 20, expressamente vedou a sua aplicação no âmbito da Justiça Estadual.
Ter-se-iam, então, duas definições para as infrações de menor potencial ofensivo, uma para a justiça estadual e outra para a federal.
A doutrina não tardou a se manifestar sobre o problema, posicionando-se pacificamente no sentido de que a nova lei é inconstitucional no que se refere à proibição de ser aplicada na esfera estadual, por claramente afrontar o princípio da igualdade (art. 5.º, caput, da Constituição Federal), bem como os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Com efeito, se a diferenciação prosperasse, o indivíduo que desacatasse um policial federal seria julgado perante o Juizado Federal com direito a todos os benefícios que disso decorrem (transação, procedimento sumaríssimo), enquanto aquele que desacatasse um policial estadual não teria o mesmo direito, uma vez que o desacato possui pena máxima de dois anos. Essa diferença de tratamento obviamente afronta o princípio da igualdade e evidencia uma total desproporcionalidade na aplicação da norma penal, já que fatos de igual gravidade teriam tratamentos diversos.
Em razão disso, chegou-se à conclusão que tal lei trouxe nova definição de menor potencial ofensivo, que, por ser posterior, deverá ser aplicada tanto no âmbito Estadual quanto no Federal.
Em suma, a pena máxima para que um crime seja considerado de menor potencial ofensivo passou a ser de dois anos, abrangendo agora crimes como desacato, resistência, lesão corporal na direção de veículo automotor, porte ilegal de arma de fogo etc.
Ocorre que, analisando o art. 2.º, parágrafo único da Lei n. 10.259/01, surge a necessidade de salientar que as conseqüências da nova definição são ainda maiores.
Com efeito, ao contrário do que ocorre com a Lei n. 9.099/95, o novo texto não excluiu da competência do Juizado Especial, os crimes que possuíam rito processual especial, como os delitos de porte de entorpecentes, prevaricação, abuso de autoridade e outros, quer sejam de competência da Justiça Federal ou da Estadual.
Partindo dessa premissa, é fácil vislumbrar as enormes modificações no plano prático, já que esses delitos deixarão de seguir as regras do Código de Processo Penal e das leis especiais que estabeleciam rito diferenciado, para seguir os ditames da Lei n. 9.099/95, desde a fase de inquérito até a instrução probatória.
No tocante ao tema, ainda a doutrina não pacificou entendimento, havendo juízes que aplicam a Lei n. 9.099/95 para os crimes com rito especial e outros que aplicam o rito especial.
Para fixar a competência em razão da matéria aos Juizados Especiais Criminais, a Lei 9.099/95 utiliza, basicamente, a intensidade da sanção abstratamente cominada ao ilícito. Esse critério para estabelecer as infrações de menor potencial ofensivo não deixa de ser subjetivo, pois deveria ter em vista justamente o bem a ser tutelado, já que todo crime há o sujeito passivo direto e o indireto, que é justamente o Estado.
Essa restrição conceitual das infrações de menor potencial ofensivo aos crimes em que a pena cominada não exceda dois anos, deixa de considerar a gravidade objetiva do dano em várias hipóteses típicas. Na esfera do trânsito, por exemplo, em que a criminalidade culposa é violenta e crescente, não deveria ser aplicada a Lei n. 9.099/95, também no crime de violência doméstica em que os danos causados às vítimas são, muitas vezes, irreversíveis.
No caso específico da violência doméstica, tipificada no art. 129, do CP, o legislador deveria estabelecer procedimento especial e impossibilitar a utilização da Lei n. 9.099/95, já que a sua utilização tem causado sérios prejuízos às vítimas destes delitos.
Em nosso país, infelizmente, as leis não são feitas após discussões amadurecidas e ponderadas pelos legisladores, mas sempre sob o impacto de momentos emocionais, que resultam em leis que mais visam satisfazer a opinião pública do que propriamente servir aos interesses sociais.
9. Princípios utilizados nos Juizados Especiais
O art. 62 da Lei n. 9.099/95 estabelece que o processo perante o Juizado Especial será orientado pelos princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
O princípio da oralidade estabelece que os atos realizados no juizado, preferentemente, devem ser realizados na forma oral, constando da assentada apenas um breve resumo das manifestações e decisões.
O princípio da informalidade afasta o rigorismo formal nos atos praticados perante o juizado. É o que se observa da análise dos seguintes dispositivos da lei: art. 65 (estabelece que os atos não serão considerados nulos se atingirem as finalidades para os quais foram realizados; art. 81, §3 (dispensa o relatório na sentença); art. 81, §5 (estabelece que se a sentença for confirmada pelos seus próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.
Pelo princípio da economia processual, afastou-se a necessidade de inquérito policial para a apuração dos fatos delituosos e instituiu-se que a instrução deve ser realizada em um único dia. Além disso, estabeleceu-se que nenhum ato processual deve ser adiado.
Já o princípio da celeridade processual busca reduzir o tempo entre a prática da infração penal e a decisão judicial, para dar uma resposta mais rápida à sociedade.
É evidente que os princípios gerais da ação são aplicados aos juizados especiais. Por isso, a exigência de celeridade, economia processual e informalidade existente na apuração das infrações de menor potencial ofensivo não pode excluir os princípios genéricos e fundamentais como o contraditório e a ampla defesa, devido processo legal, estado de inocência, imediata aplicação da nova lei processual, vedação de provas obtidas por meios ilícitos entre outros.
O princípio da verdade real, que constitui regra nas ações penais em geral, é mitigado nos juizados pela possibilidade de transação nas infrações de menor potencial ofensivo de ação pública. Isso porque a transação obsta o início da ação penal, de forma que a responsabilidade pelo delito não chega a ser apurada.
10. A composição dos danos civis
O primeiro instituto que pretendemos analisar é o da composição dos danos civis, que é exemplo de negócio jurídico bilateral praticado no juízo criminal, conforme demonstraremos a seguir.
O Código Penal já contemplava a reparação do dano em algumas situações. Consistia em: a) circunstância atenuante (art. 65, III); b) causa substitutiva de condições na suspensão condicional da pena (art. 78, parágrafos 1o. e 2o.) e de revogação do benefício (art. 81, II); c) condição para concessão do livramento condicional (art. 83, IV); e d) requisito para a reabilitação (art. 94, III).
A tônica da legislação estava direcionada em ter a reparação do dano como causa atenuante da pena ou como condição para concessão de algum benefício, sempre ressalvando a justificativa de impossibilidade de reparação pelo agente.
Alterando essa perspectiva, a Lei n. 9.099/95 valorizou a participação da vítima no processo penal, permitindo que o juiz criminal na audiência preliminar, promova a conciliação das partes (autor e vítima) em relação aos danos causados pela infração de menor potencial ofensivo.
A par dessa novidade, consistente na invocação do juiz criminal para que se preocupe com aspectos materiais de infração, erigiu-se a composição dos danos civis como medida despenalizadora.
A composição dos danos derivados de delitos de menor potencial ofensivo pode abranger os danos materiais e/ou morais. O efeito despenalizador, residente na renúncia tácita do direito de queixa ou representação, opera-se com o acordo envolvendo os danos materiais resultantes do ilícito penal.
No que se refere à reparação do dano, a Lei n. 9.099/95, criou o instituto da composição de danos civis nos procedimentos de competência dos juizados, de sorte que a homologação do acordo realizado na audiência preliminar ou na própria audiência de instrução tem força de título executivo e impede a propositura de nova ação reparatória de danos na esfera cível.
A composição dos danos civis, nos crimes de ação privada e pública condicionada à representação, implica extinção da punibilidade do agente em face da renúncia automática ao direito de queixa ou de representação. No caso de ação pública incondicionada, a composição de danos civis não impede a propositura da ação penal, mas, conforme já mencionado, torna inviável nova ação reparatória de danos na esfera cível.
Pela primeira vez na nossa história permite-se ao juiz criminal tentar uma conciliação entre os envolvidos no fato infracional (autor do ato, responsável civil, se for o caso, e vítima) quanto à satisfação do dano.
Deu-se à vítima das infrações de menor potencial ofensivo uma atenção até então inexistente: ela é intimada a comparecer ao Juizado para se manifestar sobre a possibilidade de uma composição dos danos. Pode recusar a proposta formulada pelo autor do ato, pode fazer contraproposta, acordar ou divergir da manifestação conciliatória do Juiz ou de quem esteja no seu lugar.
Enfim, tem as partes inteira liberdade para acordar ou discordar, aceitar, fazer contraproposta ou recusar o que lhe for proposto, constituindo a composição de danos um verdadeiro negócio jurídico criminal bilateral, em que as partes envolvidas no litígio voluntariamente estabelecem os termos do acordo firmado.
Tratando-se de vítima menor de 18 anos, caberá ao seu representante legal manifestar-se a respeito.
No que se refere à preferência para a aplicação de pena não privativa de liberdade, o legislador criou o instituto da transação, que será adiante analisado, de forma que a composição entre o Ministério Público e o autor da infração nos crimes de ação pública obsta o início da ação penal pela aplicação imediata de uma pena de multa ou restritiva de direitos, com a vantagem de não gerar reincidência, sendo registrada apenas para impedir nova transação em um prazo de cinco anos (art. 76, § 4), e de não constar da folha de antecedentes criminais (art. 76, § 6).
A Lei n. 9.099/95 estabeleceu que o delegado de polícia ao receber a comunicação da ocorrência de crime considerado de menor potencial ofensivo deverá lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência e encaminhá-lo ao Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca ou ao Juízo Competente onde não houver juizado instalado.
A fase judicial inicia-se com o comparecimento do autor do ato e da vítima em juízo, mas, não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, outra será designada em data próxima, da qual ambos sairão cientes.
No dia e hora designados para a audiência preliminar, devem estar presentes o representante do Ministério Público, o autor do ato e a vítima, acompanhados de advogados, o juiz por sua vez, esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, e, se houver entendimento, será homologado pelo juiz o acordo, no que se refere aos danos, e aplicada a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
Obtida a composição dos danos civis, será reduzida a escrito e homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, tendo força de título executivo no juízo civil competente.
Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente à vítima a oportunidade de apresentar a representação verbal, que será reduzida a termo, mas o não-oferecimento da representação na audiência preliminar não implica a decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo legal, em regra, de seis meses.
Apesar do grande avanço que o instituto trouxe para o nosso ordenamento jurídico, entendemos que poderia também ter alcançado outros crimes de natureza patrimonial, permitindo-se ao Membro do Ministério Público dispor da ação penal em caso de reparação do dano.
Sérgio Turra Sobrante corrobora o nosso entendimento quando diz que:
Apesar de elogiável e de representar grande avanço do ordenamento jurídico penal, entendemos, de lege ferenda, que a medida poderia ser mais elástica para alcançar alguns delitos de natureza exclusivamente patrimonial, tais como furto, dano e estelionato, permitindo-se ao Ministério Público dispor da ação penal quando reparado o dano pelo autor da conduta.7
Além disso, existem alguns crimes considerados pela Lei n. 9.099/95 de menor potencial ofensivo, em razão da pena a eles cominada, que na realidade, em razão dos bens jurídicos tutelados não o são, v. g.. os crimes de violência doméstica.
Entendemos que existem algumas falhas na lei que necessitam ser sanadas pelos legisladores. Uma delas é a utilização apenas do sistema de pena máxima (não superior a dois anos) para a caracterização do menor potencial ofensivo, por englobar em seu leque de atuação delitos que por sua natureza grave e muitas vezes cruel não poderiam ser considerados de menor potencial ofensivo, por ofenderem bens jurídicos relevantíssimos, a exemplo do crime de violência doméstica, tipificado no art. 129, parágrafo 9o, do Código Penal.
O que a pesquisa empírica revela é que as vítimas da violência doméstica são gravemente prejudicadas pela utilização do consenso e das penas restritivas de direito ou multa para os autores do fato. Para esses delitos deveria haver lei especial que disciplinasse o procedimento e a aplicação de outras sanções penais específicas e mais gravosas, além de ressarcimento dos danos causados às vítimas.
Para exemplificar poderemos citar o seguinte caso ocorrido na cidade de Rio Largo, Alagoas em 2004: O marido, acostumado a bater em sua esposa, chega em casa embriagado e na frente dos seus 03 (três) filhos bate novamente nela com as mãos e com um banco de madeira. Ela cansada de sofrer procura a delegacia de polícia da cidade para informar a prática do crime. Tomadas as declarações e encaminhada para exame de corpo de delito é encaminhado o T.C.O (Termo Cricunstanciado de Ocorrência) ao Juizado Especial Cível e Criminal de Rio Largo. Anexado o exame de corpo de delito ao T.C.O, constataram os peritos escoriações leves.
No Juizado Especial Criminal o procedimento é a designação de audiência preliminar para propor a composição dos danos civis em razão da natureza “leve” da agressão caracterizar o crime como de menor potencial ofensivo, o que evidentemente se afigura um verdadeiro absurdo nos crimes de violência doméstica, diante das conseqüências funestas para a vítima e seus filhos em razão das agressões sofridas.
11. A transação penal
O vocábulo “transação” tem o significado de “combinação, convênio, ajuste”, “ato ou efeito de transigir”. No conceito de direito civil, transação é a convenção em que, mediante concessões recíprocas, duas ou mais pessoas ajustam certas cláusulas e condições para que previnam litígio, que se possa suscitar entre elas ou ponham fim a litígio já suscitado.
A transação penal é um ato personalíssimo, exclusivo do acusado. Ninguém, mesmo com poderes específicos, poderá realizar a transação em nome do autor do ato. A aquiescência pessoal do autor da infração penal integra a própria essência do ato: estará transigindo com a sua liberdade, que passará a sofrer restrições. Em razão da sua definição e da presença indispensável do elemento volitivo para a sua validade, é exemplo de negócio jurídico bilateral praticado no juízo criminal.
A decisão do autor do ato de transigir ante a proposição do Ministério Público tem de ser produto inequívoco de sua livre escolha. É fundamental que saiba das conseqüências de sua opção: assunção de culpa, obrigação de cumprir a sanção aplicada, com possibilidade de ser convertida em prisão, além, é claro, de saber que, voluntariamente, está abrindo mão de determinados direitos constitucionais, tais como presunção de inocência e duplo grau de jurisdição.
Trata-se, como se percebe de sua conceituação, de instituto típico da área cível, agora – por força da Lei 9.099/95 – transplantado também para a esfera criminal, com suas características próprias e novas.
Embora o legislador brasileiro, ao instituir a transação penal nos crimes de menor potencial ofensivo, tenha-se baseado em outros sistemas penais, o certo é que o novo instituto não encontra paralelo no Direito Comparado, a exemplo do procedimento italiano - pattegiamento, da suspensão provisória do processo do direito portugûes, da la conformidad do espanhol e do plea bargaining do norte-americano.
Por meio do instituto da transação penal busca-se, de forma célere e relativamente informal, abstendo-se, de um lado, o dominus litis de exercer seu jus persequendi e, de outro lado, abrindo mão o averiguado, suposto autor do ato, de seu direito de amplo contraditório, atingir-se uma solução rápida, consensual e satisfatória para o conflito, em lugar de uma sentença.
Nos termos do art. 76 da Lei 9.099/95, havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a serem especificadas na proposta.
Pedro Henrique Demercian, ao analisar a proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público entende que:
[...] Dentre as funções institucionais do Ministério Público está a de exercer, privativamente, a ação penal pública incondicionada (CF, art. 129, I). Trata- se, na verdade, de um poder-dever do órgão ministerial pautado na obrigatoriedade ou legalidade, em contraposição ao princípio da oportunidade ou conveniência que norteia a ação penal de natureza privada. É certo, por outro lado, que a própria Constituição Federal, ao dispor sobre potencial ofensivo, abriu a possibilidade de, em determinadas hipóteses – legalmente limitadas (art. 76) -, o titular do jus puniendi atenuar a obrigatotiedade quanto ao início ou prosseguimento da persecução penal, por intermédio de transação.8
Muito embora o caput do art. 76 diga que o Ministério Público “poderá” formular a proposta, evidente que não se trata de mera faculdade. Não vigora, entre nós, o princípio da oportunidade. Uma vez satisfeitas as condições objetivas e subjetivas para que se faça a transação, aquele poderá converte-se em deverá, surgindo para o autor do ato um direito subjetivo.
Argumenta-se que se a transação implica acordo de vontades, por óbvio esse acordo há de ser entre o titular da ação penal e o autor do ato, não podendo o Juiz desempenhar um papel próprio do Ministério Público, sob pena de usurpar-lhe função exclusiva, e, por isso, equivaleria a uma espécie de movimentação ex offício, postergada pela Lei Magna.
Apenas em caso de haver inércia injustificada do Promotor de Justiça em oferecer a proposta, caberia ao autor do ato ou ao seu Defensor, indagar do Juiz sobre a possibilidade de aplicar apenas a multa ou medida não privativa de liberdade. E o Juiz, em face da indeclinabilidade da jurisdição, deve manifestar-se a respeito, encaminhando os autos ao Procurador-Geral de Justiça, aplicando a regra do art. 28 do CPP, por analogia, por ser o Ministério Público o titular da ação penal pública.
Acolhendo a proposta, seja do Ministério Público, seja do titular da ação penal privada, devidamente aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a medida (pena restritiva de direitos, com especificação da qualidade e tempo de duração, ou multa, devidamente delimitada dentro daqueles parâmetros traçados no art. 49 e § 1.º e no art. 60, § 1.º, todos do Código Penal).
Homologada a transação, lavrar-se-á um termo, para que fique na memória do fato; apenas para, em eventual recidiva em infração da mesma natureza (menor potencial ofensivo), constatar-se, em face do item II do § 2.º do art. 76, se o réu fará, ou não jus a idêntico benefício. Só para esse fim, mesmo porque a transação não acarreta a reincidência. E tanto é verdade que se vier o infrator a cometer um crime de estelionato, por exemplo, cuja pena mínima é de um ano, aquela transação anterior não é impeditiva da suspensão condicional do processo.
A sentença que homologa a transação penal não é nem condenatória, nem absolutória, é constitutiva. A pena não privativa de liberdade ou de multa é livremente consentida pelo autor do ato, por ele aceita como forma de evitar o processo penal condenatório. Desta forma, a pena não resulta diretamente da decisão judicial, mas sim da própria vontade do autor do ato, que livremente se submete a ela.
Após a análise do conceito, das partes envolvidas e do procedimento instituído pela lei para o instituto da transação penal, restou demonstrado que se trata de um verdadeiro exemplo de negócio jurídico processual penal, em que, dentro dos limites impostos pela lei as partes podem transacionar sobre seus direitos e obrigações.
12. A suspensão condicional do processo
A suspensão condicional do processo é um negócio jurídico, na medida em que o Estado-Juiz tem o dever de propor ao acusado, que preenche os requisitos legais, a substituição da pena que seria imposta em razão da prática do crime e da incidência da norma penal, pela restrição de alguns direitos.
Em audiência, observando o Ministério Público a prática de crime a que a lei comine pena igual ou inferior a um ano, observando ainda que o autor do crime preenche os requisitos do art. 89 da Lei n. 9.099/95, além dos constantes no art. 77 do Código Penal (que trata da suspensão da pena), deve, ao oferecer a denúncia, propor a suspensão condicional do processo, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos. O acusado pode aceitar ou não a proposta apresentada, bem como discutir alguns dos seus termos, semelhante ao que ocorre na transação penal. Por exemplo: o acusado que exerce a profissão de vigia noturno ou caminhoneiro não pode se recolher em sua residência todas as noites até as 22:00horas, cláusula que geralmente faz parte do acordo de suspensão, logo, deve argumentar com a autoridade judiciária esse fato a fim de evitar que essa cláusula faça parte dos termos da suspensão do processo. Se por algum motivo o acusado não aceitar a proposta, o processo continuará tramitando até final julgamento. Se o acusado aceitar a proposta de suspensão e cumprir todos os seus termos, após o término do prazo, o processo penal será extinto.
Dispõe o art. 89, parágrafo 2º., da Lei n. 9.099/95 que “O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado”.
Existem algumas diferenças entre esse instituto e a transação penal, senão vejamos. Esta só pode ser admitida em se tratando de contravenções ou de crimes cuja pena máxima in abstrato não ultrapasse dois anos nem se subordinem a procedimento especial.
Já a suspensão condicional é perfeitamente admissível não só em relação a essas infrações como também no que respeita a quaisquer outras, desde que a pena mínima cominada não supere um ano. Ademais, na maioria dos casos, a transação não pressupõe denúncia, já o “sursis” antecipado, sim.
Após a oferta da denúncia e depois de o Juiz proceder ao exame de admissibilidade da demanda é que deverá ocorrer a audiência para apreciação da proposta de suspensão do processo.
Na transação, é imposta ao autor do ato uma multa ou medida restritiva de direitos; na suspensão condicional do processo, não haverá multa nem medida restritiva de direitos, apenas a promessa de cumprimento de algumas condições que podem ser impostas, à semelhança do que se dá com a suspensão condicional da pena.
Conforme dissemos, formulada a proposta, pode a Defesa aceitá-la ou recusá-la. Aceitando não significa confissão de culpa, está o réu apenas evitando o estigma do processo, com a vantagem de, uma vez cumprido o tempo de suspensão sem que tenha havido revogação, ver julgada extinta a punibilidade.
No nosso entendimento, a suspensão condicional do processo também pode ser considerada um negócio jurídico processual penal, apesar de não ocorrer uma verdadeira transação, para que ela seja possível há a necessidade da expressão da vontade do autor do ato (por meio da aceitação da proposta), que poderá ser adequada a sua situação pessoal e da homologação por juiz competente para ser considerada válida e produzir os seus efeitos no âmbito criminal.
13. Conclusão
Entendemos que o fato jurídico é o tema de maior relevância no estudo da Teoria Geral do Direito para a real compreensão do fenômeno jurídico, por essa razão apresentamos sua conceituação e a diferenciação entre o mundo fático e o mundo jurídico.
Ressaltamos também que o ato jurídico stricto sensu e o negócio jurídico são situações jurídicas distintas.
O ato jurídico stricto sensu é um fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fáctico a manifestação ou declaração unilateral de vontade, porém seus efeitos são prefixados pelas normas jurídicas e não cabe à pessoa qualquer escolha da categoria jurídica ou da estruturação do conteúdo das relações jurídicas.
Já no negócio jurídico a vontade é manifestada para compor o suporte fáctico de determinada categoria jurídica, a sua escolha, com o fim de obter efeitos jurídicos que podem ser determinados pelo sistema ou manifestados livremente por cada um, o que não ocorre com o ato jurídico stricto sensu.
No negócio jurídico a vontade não cria efeitos, por serem definidos pelo próprio ordenamento. O direito estabelece requisitos que devem ser atendidos para que a vontade possa entrar no mundo jurídico como negócio jurídico, não havendo um caráter absoluto no poder de auto-regulamentação da vontade negocial.
Havendo indeterminação, o suporte fáctico é até certo ponto livre às pessoas, desde que esteja em consonância com o sistema jurídico vigente.
Considerando que a definição de negócio jurídico apresentada pelos Pandectistas como ato de autonomia da vontade não responde a todos os questionamentos e não serve a todos os exemplos práticos, uma vez que nega um dado essencial caracterizador do fenômeno jurídico – a norma jurídica como delimitadora do mundo jurídico, optamos pela definição do Professor Marcos Bernardes de Mello, baseada na Teoria de Pontes de Miranda, segundo a qual no negócio jurídico a demonstração da vontade tem a função de compor o seu suporte fáctico, jamais podendo ela própria ser considerada negócio jurídico.
O presente trabalho monográfico teve a pretensão de apresentar os institutos da composição dos danos civis, da transação penal e da suspensão condicional do processo, suas definições, peculiaridades e procedimentos, a fim de demonstrar serem os três exemplos de negócios jurídicos praticados na área criminal.
Na composição de danos civis, as partes (autor do crime e vítima), pactuam livremente os termos do acordo celebrado, sendo considerada negócio jurídico bilateral. O Estado não exerce nenhuma interferência direta no conteúdo do pacto, cingindo-se apenas a verificar se o autor do ato ilícito preenche os requisitos legais, para posteriormente homologá-lo, transformando-o em título executivo exeqüível.
Na transação penal, o Ministério Público propõe a transação penal ao acusado, a fim de que seja aplicada uma sanção menos gravosa em razão do ato ilícito praticado. Ressalte-se que apesar de ser um direito subjetivo do acusado de lhe ser proposta a transação penal, este pode aceitá-la ou não, podendo discutir livremente os seus termos. Uma vez cumpridos os termos do acordo celebrado, ocorre a extinção da punibilidade.
Na suspensão condicional do processo o acusado pode aceitar a proposta ou recusá-la, além de poder adequá-la a sua situação pessoal. Uma vez aceitando a proposta, o processo tem o seu curso suspenso durante o período de cumprimento e após o término do período sem interrupção, a punibilidade é extinta.
Por essas razões, entendemos que esses institutos de direito criminal podem ser considerados, pela Teoria Geral do Direito, como negócios jurídicos processuais penais.
1 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. t.1. Campinas: Bookseller, 1999, p. 49. 60. t.
2 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato jurídico: plano da existência. São Paulo: Saraiva, 2003, p. XXVI.
3MELLO, 2003, p. 166.
4MELLO, 2003, p. 184.
5 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. t. Campinas: Bookseller, 2000, p. 34. 60. t.
6 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 01.
7 SOBRANTE, Sérgio Turra. Transação Penal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 56.
8 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Juizados Especiais Criminais - comentários. Rio de Janeiro. Aide, 1996, p. 59.

A ética e o meio eletrônico


Catarine Gonçalves Acioli1
1 Mestranda em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Assessora Jurídica do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Professora de Graduação das Disciplinas: Direitos e Garantias Fundamentais e Teoria da Constituição, da Faculdade de Alagoas (FAL).
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1.Introdução. 2. A ética e a evolução de suas perspectivas. 3. A complexa relação entre a ética e os avanços tecnológicos. 4. A ética contemporânea e o Direito. 5. As relações no meio eletrônico e a ética contemporânea. 6. Conclusão.
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1. Introdução
A era contemporânea é marcada por uma crise de estruturação da humanidade, uma vez que o homem encontra-se diante de uma sociedade global, com preocupações, valores e perspectivas universais, embora ainda busque encará-la sob o ponto de vista individualista, o que se tem traduzido na elaboração dos preceitos normativos em vista de regular suas condutas.
Isso tem tornado extremamente prejudicial a relação entre a ética e o Direito, pois a técnica de elaboração do Direito tendo seu fundamento na ética, resta comprometida até que se obtenha um consenso sobre qual ética deve-se buscar numa comunidade globalizada e profundamente influenciada pelos avanços tecnológicos.
Ademais, o progresso científico, mediante uso da tecnologia, tem comprometido essa relação, em especial, devido à necessidade de realizar um controle ético em sua aplicação, baseado na reafirmação de uma responsabilidade para o agir humano, no intuito de preservar os valores de uma nova espécie de sociedade (sociedade da informação).
Essa necessidade traduz-se ainda mais precípua no campo das relações dos indivíduos e das nações no meio eletrônico, uma vez que prevalecem interesses econômicos capazes de comprometer a realização de uma inclusão digital de maneira livre, segura, autêntica e democrática.
Eis o motivo de se averiguar quais as novas formas assumidas pela ética nesse novo milênio, particularmente ao definir qual delas poderá ser aplicada para conter as ações desmedidas dos avanços tecnológicos, assim como quais medidas podem ser adotadas para que se amenize a complexidade entre os novos valores assumidos pela humanidade e a normatização de suas condutas, especialmente no trato de temas como, por exemplo, o uso do meio eletrônico na sociedade da informação.
Desse modo, não há como prosseguir em análises mais detalhadas no âmbito jurídico do novo modelo de sociedade, sem que se examine se há ou não a possibilidade da ética modificar a forma dos indivíduos se relacionarem no meio eletrônico e, conseqüentemente, a regulação de suas condutas.
2. A Ética e a evolução de suas perspectivas
O termo ética é proveniente do grego ethos, que significa “morada”, “modo de ser”, evoluindo semanticamente para se traduzir na forma de vida adquirida pelo homem, que sob o ponto de vista de Aristóteles refere-se à reflexão filosófica sobre o agir humano e suas finalidades, estando este voltado para a busca da felicidade.
De acordo com o filósofo, essa felicidade será atingida pela virtude do meio-termo, de modo que a ação do homem busque sempre por um ponto de equilíbrio, já que o extremo impede que se entenda o outro e com isso deixe o individualismo prevalecer, o que sufoca a própria constituição do indivíduo que, na verdade, é social.1
Assim, o homem está apto a encontrar esse meio-termo a partir da auto-realização pessoal e societária, mediante a prática de hábitos virtuosos.
Afinal, o que diferencia o homem dos demais animais é sua capacidade de buscar com base na virtude fazer da vida dos outros melhor, constituindo um código de conduta social que visa o bem.
Boff define a ética como conjunto de valores, princípios, inspirações e indicações a todo ser humano com o objetivo de viver humanamente a partir da realização de princípios basilares como: amor universal e incondicional pelo outro, cuidado, solidariedade universal, além da capacidade e da vontade de perdoar.2
Com relação à delimitação do seu conteúdo, a cultura ocidental privilegiou a origem grega ao assumir como discernimento para uma conduta ética a razão, passando esta a orientar a decisão da vontade.
A partir da evolução das sociedades e do próprio conteúdo da ética, foram surgindo diversas perspectivas que tentaram explicá-la:
Eudemonismo: esta perspectiva baseia-se na reflexão aristotélica a respeito de ética e a define como o fim querido pelo próprio homem, correspondente à felicidade, que, por sua vez, será atingida mediante as virtudes. Esse período foi marcado pela união entre razão e natureza, assim como a felicidade somente era atingida pela prática das virtudes.
Contratualismo: nessa outra perspectiva a ética tem como base a igualdade entre os homens e pressupõe um consenso entre os homens para que possam se associar e, dessa maneira, estabelecer uma convivência harmônica e equilibrada. Encontra-se, então, a definição de contrato social e a ética como fundamento a permitir a vivência do homem em sociedade.
Utilitarismo: essa perspectiva foi marcada pelas idéias, principalmente, de Jeremy Bentham e John Stuart Mill, tendo como fundador o primeiro, que desenvolveu o princípio do bem-estar geral, ou seja, conforme este princípio todos os atos, inclusive as normas jurídicas e morais, devem reconhecer como base a orientação voltada para o bem-estar comum. Esse bem-estar comum consiste na maior felicidade possível para uma maior quantidade de pessoas possível.
Pluralismo: Devido ao surgimento das perspectivas acima abordadas atingiu-se um ponto em que tais teorias passam a se complementar, de modo que a ética possa ser compreendida como um agir humanamente voltado à busca da felicidade, mas essa se firmará na solidariedade, em especial com os mais necessitados, além de não permitir a desigualdade injusta, englobando, portanto, um pouco de todas as perspectivas sobre a ética acima referidas. Assim sendo, visando uma integração entre tais teorias, a ética passa a ser atingida mediante uma relação entre a harmonia social e a felicidade individual, sendo a primeira condicionante desta.
Contudo, embora a finalidade do pluralismo ético seja salutar não tem conseguido solucionar a crise que se instaurou no campo da ética no período pós-globalização, especialmente, porque a visão individualista prevaleceu refletida num eudemonismo egoísta, o que tem prejudicado a aplicação de uma igualdade material no meio social.
Dessa forma, o principal questionamento da ética tem sido a busca por uma nova vertente relacionada com seu universalismo. Apesar de muitos filósofos considerá-la como uma visão utópica, há quem a defenda como a única solução possível para as circunstâncias sociais, econômicas e políticas no qual o mundo passa hodiernamente3.
Além disso, o progresso tecnológico modificou profundamente a relação entre a ciência e a ética, uma vez que aquela passou a ser desenvolvida de modo apartado de limites éticos.
A principal conseqüência dessa relação é a criação de um imenso poder tecnológico, pois o desenvolvimento da ciência tem ocorrido cada vez mais a serviço da manipulação técnica, que se concentra nas mãos dos que detêm o poder econômico, já que o desenvolvimento científico é fator principal do desenvolvimento econômico nas sociedades pós-globalização.
Desde o momento em que a idéia de progresso científico se originou, a ciência foi se afastando dos juízos de valores, pois era compreendida como intrinsecamente boa, porém a partir da intervenção ilimitada de seus resultados no âmbito social, político e econômico tem ocasionado um agir humano com tal força e potencial capaz de danificar crítica e irreversivelmente a natureza e o próprio homem.
Nesse sentido, Morin destaca que a responsabilidade, por ser noção ética, somente pode ser exigível de um sujeito consciente, característica que não é encontrada nos pesquisadores científicos, além da dificuldade de se estabelecer um critério verdadeiro para um agir com responsabilidade dentro da ciência. Isto porque a ciência tem como estrutura principal a separação entre fatos e valores, por isso ainda não se pode falar na existência de uma sociologia da ciência.
Para o citado autor a falta de um método objetivo para considerar a ciência como objeto da ciência, o seu caráter paradoxal, bem como a hiperespecialização dos saberes disciplinares têm contribuído para a elaboração de uma ciência cada vez mais sem consciência, ou seja, a aquisição do conhecimento modificou sua finalidade, antes voltada para ofertar ao homem uma nova visão do mundo, iluminando sua realidade, e permitindo que ele transcendesse aos seus obstáculos, contudo, atualmente, o objetivo do saber está mais relacionado com a idéia de adquirir poder, servindo de mecanismo de hierarquia e opressão entre as nações4.
Assim, percebe-se que as visões tradicionais da ética não são capazes de nortear essa nova dimensão de responsabilidade que surge para o homem, bem como a ética do conhecimento pelo conhecimento, afastada de qualquer juízo de valor, não consegue conter a gravidade proveniente de uma manipulação irregular da tecnologia pelas grandes potências econômicas, seja no âmbito público, seja no âmbito privado.
Atualmente, a ciência está passando pelo que Morin denominou, em outra obra, “cegueira ética”5, de modo que o progresso moral não conseguiu acompanhar o desenvolvimento científico, produzindo, então, um saber científico livre de amarras, mas que ainda não se conhece e sequer sabe qual seu próprio alvo.
Conforme se destacou anteriormente, a crise ética, instaurada na era contemporânea, ocorreu devido ao descompasso em se ter uma sociedade e economia globalizadas e tecnologicamente avançadas de um lado e do outro uma visão extremamente individualista e egoísta, sem olvidar da diversidade cultural que ocasionou a origem de diversos sistemas de moral.
Não obstante, foi o que gerou uma necessidade de reavaliação dos valores que vinham servindo de base para a sociedade e para elaboração de normas jurídicas.
Neste sentido, Boff observa:
Para uma realidade global, importa também uma ética global. Até agora predominava uma ética traduzida nas várias morais, próprias de cada cultura ou região do planeta. Elas não ficam invalidadas, pois determinam valores, normas e práticas do ser humano em seu arranjo existencial, social e ecológico concreto.6
Conseqüentemente, origina-se uma nova reflexão sobre a ética, caracterizada pela valorização de uma natureza universal, ou seja, o resgate de um sentido universal de todos os seres que habitam a Terra, sem restrições regionais ou culturais, mas sim um patamar globalitário ao assumir que todos os seres racionais e irracionais fazem parte de uma mesma comunidade.
Todavia, cabe ainda uma reflexão sobre qual ética é capaz de impor limites aos avanços tecnológicos da ciência nessa realidade global, como, por exemplo, na utilização do meio eletrônico.
Houve, então, uma complementação quanto à análise da ética, por meio da retomada do empirismo ao manter unido todo sistema planetário tanto do ponto de vista biológico e físico-químico, como antropológico, além da consideração da tecnologia como fenômeno necessário para a existência e sobrevivência humana.
Ademais, o comércio entre as nações ganhou ares globalizados, impulsionado pela própria lógica do mercado capitalista, pelo desejo das nações em participar dos atos desse, além de se caracterizar por marcar o declínio do poder estatal nacional devido à retomada dos Estados não-intervencionistas mediante um modelo político neoliberal.
Dessa forma, percebe-se que a construção de um novo paradigma ético na modernidade terá como base um modelo de Estado capitalista, dependente tecnologicamente e caracterizado por um pluralismo político e cultural, tendo sofrido fortes influências do novo padrão da técnica e do meio social pós-globalizado.
3. A complexa relação entre a ética e os avanços tecnológicos
A relação entre ciência e ética sempre foi frágil e complexa, uma vez que o saber científico sempre se dispôs afastado de valoração, especialmente, quando esse se modernizou, pela produção tecnológica vinculada a compromissos políticos e econômicos das superpotências.
Na era da revolução tecnológica, iniciada em meados do século XX, constata-se, ainda, um novo formato de sociedade: a sociedade da informação, caracterizada pelo uso de novas tecnologias, mediante automatização de máquinas, tendo a inteligência humana como meio de transformar riquezas.
Aliás, ainda que a utilização das tecnologias da informação não determine a sociedade, a forma como essa as incorpora é capaz de determinar seu nível de desenvolvimento, uma vez que tais tecnologias passam a remodelar esse novo paradigma de sociedade constituindo sua base material em ritmo bastante acelerado7.
Além de alimentar uma profunda mudança no desenvolvimento social e econômico dos Estados, o crescente uso do meio eletrônico induz o homem a repensar sua posição diante do progresso científico, de fins e valores que pretende consagrar nessa sociedade da informação.
Há, portanto, um afastamento progressivo do homem do espaço formal de trabalho e aplicação da ciência com objetivo do máximo de apropriação material.
A informação passa a ser o produto de maior valor no meio social, tanto que o seu gerenciamento e concentração é o fim a ser perseguido pelas grandes empresas dos setores de tecnologia e comunicação, bem como pelas grandes nações como forma de aumentar seu poder político e econômico.
Nasce, portanto, um novo estágio na evolução dos sistemas de produção, em que a o uso da informação passou a ser tanto um produtor de bens como uma forma de melhorar a qualidade de vida, eis o motivo de sua essencialidade, embora esteja estreitamente relacionado a interesses econômicos, sem regulamentação específica e sequer limitação ética, por conta dos valores éticos tradicionais não se adequarem às transformações advindas com as novas tecnologias.
Ademais, há quem entenda pelo surgimento de uma tecnoética, representando um ramo da ética que investiga os problemas morais levantados pela tecnologia8. Especialmente após a Segunda Guerra Mundial, o avanço drástico do capitalismo definiu o destino da tecnologia, passando a orientá-la exclusivamente para fins econômicos.
A partir do referido período, o desenvolvimento científico guiado por aspectos econômicos desenvolveu uma racionalidade instrumental, que não tem encontrado limites éticos suficientes e encontra-se marcada pelo desequilíbrio, particularmente, nas relações do homem com o meio.
A relação entre ética e técnica tem ocupado alguns filósofos contemporâneos, sendo Hans Jonas um dos que mais se debruçou sobre o posicionamento da Filosofia e da ética face ao homem extremamente influenciado pelas novas tecnologias, pois essas permitiram ao homem mudar de maneira brusca os fundamentos da vida e de certo modo, poder atuar na criação e destruição de si mesmo, além de alterar seu modo de se comunicar e de estabelecer práticas negociais com os demais, já que a idéia de espaço e distância restou alterada no meio eletrônico a partir da criação do ciberespaço e dirigindo-se ao progresso centrado na digitalização e virtualização.
Conforme o referido autor essa relação deve fundar-se numa liberdade, que deve ser respeitada sempre, não podendo sofrer limites mediante o conflito com outros direitos, mas somente encontrando suas limitações no momento da ação, na responsabilidade, nas leis e na opinião da própria sociedade.
Hans Jonas elabora um novo imperativo baseado na idéia de responsabilidade pela utilização das novas tecnologias. Alertando para que o homem deve atentar para as conseqüências de seus atos, principalmente, em relação às gerações futuras, devendo desenvolver um novo plano ético a fim de delimitar essa nova dimensão de responsabilidade. Isto porque os avanços tecnológicos produzem efeitos remotos, irreversíveis e cumulativos, que podem intervir no homem e na natureza, atitude que, segundo a característica antropocêntrica das concepções éticas anteriores, não era, até então, considerada relevante9.
Na verdade, o referido autor muda o enfoque dado aos resultados das ações humanas, pois passa a considerar os desdobramentos futuros dessas tanto em relação ao ser humano como à natureza, ao invés de concentrar num caráter imediatista.
Propôs, então, que o homem ao agir fosse cauteloso a fim de que os efeitos de suas ações não fossem destruidores de vidas humanas futuras, preocupando-se com um agir coletivo, ainda que seu modelo de ética só pudesse ser comprovado a longo prazo.
Por conseguinte, o autor cria uma espécie de “imperativo tecnológico” como forma de evitar um verdadeiro “apocalipse tecnológico” 10, o que foi bastante importante para o desenvolvimento, tempos depois, da denominada ética mundial, pois traduz também implicitamente a idéia de solidariedade que os indivíduos devem ter uns com os outros e na busca por reequilibrar o agir humano.
Carvalho, ao analisar essa proposta de uma ética para o futuro baseada no resgate de uma responsabilidade por parte dos cientistas e técnicos na utilização das tecnologias, ressalta que há duas tarefas primordiais para serem realizadas por esses: maximizar o conhecimento das conseqüências dos agires humanos e elaborar uma força de conhecimento capaz de combinar saberes factuais e saberes axiomáticos, não mais restringindo a ética a aspectos meramente racionais.11
Assim, a prescrição ética sugerida por Hans Jonas se impõe reflexiva e não coercitiva, ao fazer com que o indivíduo repense sua forma de atuação científica a fim de agir com prudência e equilíbrio
Nesse sentido Dupas, ao comentar as idéias do citado filósofo, afirma que o caminho talvez seja o de induzir uma reforma intelectual e moral que legitime as direções do progresso, sendo necessário para tal responsabilidade, buscar uma nova hegemonia mundial que não se constranja pelo capital e utilize-se do progresso científico em benefício da maior parte dos cidadãos12.
Por outro lado, Karl-Otto Apel, abordado por Becchi, funda a ciência e os avanços tecnológicos numa ética de comunicação, em que, embora considere o caráter avalorativo da ciência como condição de sua existência, pressupõe-se que exista na comunidade científica, englobando aqueles sujeitos interessados no conhecimento científico, um fundamento ético, sob o risco de se constituir em um poder ilimitado. Becchi assim destaca:
No podemos argumentar racionalmente sobre ningún tema, se no presuponemos, además de una determinada estructura de la realidad y de las reglas lógicas, también una serie de normas éticas. Y ello por el hecho, de que no es posible controlar la validez logica de los argumentos sin presuponer una comunidad de científicos capaces de comunicación linguistíca y de producir un consenso intersubjetivo.13
No entanto, a grande problemática na relação entre a técnica e a ética encontra-se, segundo Becchi, na dificuldade de se procurar um fundamento racional da ética na contemporaneidade, primeiro porque a ciência é livre de valores e segundo porque este é o paradigma da racionalidade.14
No que se refere à relação entre a ética e a tecnologia, Singer destaca a perspectiva determinista da ética nos pensamentos de Marx, sendo esta voltada aos interesses das classes dominantes e, portanto, voltada aos países ricos e empresas transnacionais. Afinal, essa ética da comunidade global, fundamental no direito de comprar e vender, representa um reflexo da estrutura econômica que a tecnologia dessa sociedade faz surgir.15
Faz-se também necessário acrescentar que a Igreja Católica tem seu posicionamento rígido quanto essa complexa relação entre ética e ciência por considerar que a ciência não pode ter uma consciência ética e que o novo posicionamento do homem quanto a sua criação e destruição, tornando-se produto, eqüivale à ruptura com antigas certezas morais, cabendo, portanto, ao Direito realizar a ordenação daquela a fim de preservar a liberdade e superar as incertezas advindas com os avanços científicos.
4. A ética contemporânea e o Direito
A existência de preceitos normativos, legais ou morais, que irão guiar o agir humanamente do indivíduo, é imprescindível para sua sobrevivência em sociedade.
No entanto, ainda que o Direito ofereça bases sólidas, devido a seu formalismo e concretude, está submetido desde o momento de sua criação até sua efetivação à ética, tendo em vista que esta lhe oferecerá a segurança quanto à verdade de seu conteúdo e à justiça de sua aplicação.
A influência da ética na elaboração do Direito reflete a busca por uma maior segurança na aplicação de valores de suma importância para o agir humano nos casos concretos.
Direito sem base ética torna-se direito ilegítimo e de fácil instrumentalização por regimes autoritários e sem compromisso com ideais democráticos, como muito ocorreu durante o império desmedido do Estado de Direito.
Convém salientar que, no âmbito da relação entre ética e Direito, sempre foi tema relevante na área filosófica e jurídica a busca por fundamentos ou valores que tornem o Direito legítimo.
A diferença entre ética e Direito encontra-se no campo de atuação de ambos, ou seja, a primeira atua no campo abstrato, na definição de valores para elaboração de normas jurídicas, enquanto o segundo no campo concreto solucionando conflitos de interesses entre os indivíduos e regulando as condutas inter-subjetivas. Por isso é relevante a necessidade de se relacionarem.
Além disso, o vínculo entre esses dois campos, na contemporaneidade, é marcado pelo surgimento, ou direcionamento, a problemas bio-jurídicos, ou melhor, assuntos do âmbito jurídico, mas que necessitam de uma carga excessiva de valores éticos para que possam ser aplicados na prática, bem como possuem um considerável teor de complexidade encontrado na difícil relação entre a técnica (presente em tais temas) e a ética.
Dessa forma, a passagem pela era da globalização trouxe a lume as conseqüências do capitalismo desenfreado, a revolução tecnológica, inclusive no que concerne à grande evolução no campo das pesquisas científicas, particularmente envolvendo temas bioéticos, além da crise no sistema de trabalho, crise ecológica, marcadas por uma profunda desigualdade entre os indivíduos e entre as nações, como também um alto instinto de competitividade entre os seres humanos.
Convém ainda ressaltar Becchi ao demonstrar a preocupação da filosofia em relação à atitude ética do homem quanto à natureza e à sociedade face aos avanços da técnica: “Los hombres han pagado el acrecentamiento de su poder tecnológico no sólo com el extrañamiento de aquello sobre lo cual lo ejercitan, sino también com la destrucción de aquello que han aprendido a dominar.”16
Isso demonstra que o progresso científico e a evolução da sociedade não têm caminhado na mesma velocidade que a ética na era contemporânea, o que se reflete na própria produção das normas jurídicas.
5. As relações no meio eletrônico e a ética contemporânea
Do ponto de vista da sociedade da informação, em que barreiras geográficas são transcendidas e se institui novas bases de solidariedade entre os indivíduos há uma grande dificuldade em se aplicar limites éticos às condutas praticadas no meio eletrônico, especialmente, por ser um meio, cujo avanço está vinculado a interesses econômicos, ou seja, tanto no estabelecimento de relações pessoais como comerciais, porque esse meio conserva os mesmos princípios do liberalismo econômico ainda que sob o formato da época atual do neoliberalismo.
Apesar dessa complexa relação entre ética e o meio eletrônico, faz-se necessário buscar estabelecer padrões éticos fundados nas idéias do “imperativo tecnológico” de Hans Jonas, a fim de aplicá-lo, principalmente, nas relações comerciais realizadas por esse meio.
Por muitos anos a Internet era considerada um espaço sem lei e ilimitado, contudo, com a evolução das práticas tecnológicas e a relevância que a informação adquiriu na pós-modernidade, houve uma grande mudança de seu status.
A rede deixou de ser uma mera interligação de computadores de universidades para servir de meio de troca, aquisição e interpretação de informações, as quais passam a ser qualitativamente valoradas.
Ao analisar a importância da Internet, Lévy destaca que não há promessas dela resolver, em um passe de mágica, todos os problemas culturais e sociais do planeta, tendo em vista que a utilização do meio eletrônico e, conseqüentemente, a criação do ciberespaço representam a abertura de um novo espaço de comunicação, que necessita ainda ter as suas potencialidades positivas exploradas nos planos econômico, político, cultural e humano17.
Além disso, o meio eletrônico tornou-se, ao longo dos tempos, um incremento para a participação democrática, uma vez que a heterogeneidade cultural é sua marca presente, embora, diante de todos os avanços trazidos pela tecnologia nos últimos anos, esse tem sido o menos abordado, pois há uma falha em criar debates ideológicos sobre suas vantagens e desvantagens, bem como sobre as formas de se conduzir uma maior quantidade de cidadãos ao seu uso.
Uma dessas formas consiste na inclusão digital, ou seja, ampliação do uso do meio eletrônico pelos cidadãos, que somente poderá se realizar concretamente e democraticamente se, além de uma boa política de segurança das informações, for também estimulado o desenvolvimento de padrões éticos no trato com os indivíduos e com o próprio meio.
Todavia, a aplicação de uma ética de responsabilidade ainda não é suficiente, pois, por ser um meio de comunicação constituído de uma diversidade cultural, é preciso que os valores sejam estabelecidos mediante uma ética da comunicação.
Boff, ao trabalhar a idéia de uma ética mundial, menciona o projeto emancipatório de Habermas, porém destaca a necessidade de se garantir uma efetiva participação de todo cidadão na ação comunicativa cotidiana, a fim de se atingir a democracia como valor universal e vivo, e, desse modo, evitar mais uma forma de exclusão no mundo globalizado.18
Assim sendo, mediante uma composição dos dois padrões éticos referenciados (princípio da responsabilidade e efetiva busca pelo consenso a partir de uma ação discursiva) é possível adequar a práxis no meio eletrônico a um valor voltado à solidariedade coletiva e interação democrática, essencial para a estruturação da sociedade da informação.
Isto porque por meio da ética da responsabilidade será possível conter boa parte de ações desmesuradas capitalistas que persistem em ocorrer, em especial nas práticas contratuais e agora com o novo mercado da certificação digital, permitindo a proteção do meio eletrônico contra monopólios ou dominação por superpotências.
No que concerne à prática de um efetivo diálogo entre os participantes e os não participantes do meio eletrônico, encontra-se um caminho para aprimorar o funcionamento desse para que se possa aproveitar o máximo de seus benefícios.
Ademais, o uso das novas tecnologias de informação e da Internet precisa ser ponderado e orientado por um compromisso decidido em prol da prática da solidariedade a serviço do bem comum, tanto dentro das nações como entre elas mesmas. Estas tecnologias podem constituir um modo de promover o desenvolvimento integral das pessoas de maneira a buscarem fins em comum como paz e justiça.
A Internet só pode ajudar a fazer disto uma realidade — para os indivíduos, as nações e a raça humana — se for utilizada à luz dos princípios éticos clarividentes e sólidos, de maneira especial a virtude da solidariedade.
Dúvidas não há que todo processo de comunicação é essencial para a evolução da espécie humana, sendo a Internet o mais útil, célere e prático meio de comunicação.
A difusão da Internet levanta também um certo número de interrogações éticas específicas acerca de temas como a privacidade, a segurança e a credibilidade dos dados, os direitos autorais e a lei de tutela da propriedade intelectual, os sites que instigam ao ódio, a disseminação de boatos e muito mais. Contudo, a análise sucinta que se pretendeu realizar compreendia em responder até que ponto a ética pode limitar a liberdade no desenvolvimento de atos no meio eletrônico?
Como resposta é possível observar que a ética contemporânea, devido a seu caráter pluralista e fundada na responsabilidade para com as futuras gerações, bem como no estímulo à busca pelo consenso, pode ofertar formas de estabelecer valores a serem adotados como parâmetros a fim de tornar a sociedade de informação mais democrática.
Cabe também reconhecer que a elaboração de normas jurídicas gerais fundadas em tais valores tem sua relevância, uma vez que possibilitarão a segurança jurídica num campo que muitas vezes é renegado pelo Direito, mas sem esquecer que a revolução ética no meio eletrônico deve se iniciar por uma revolução cultural, ou seja, é necessário incutir uma idéia de união e solidariedade, primeiro, para que se possa estabelecer os padrões éticos comuns específicos de cada forma de relação realizada no meio eletrônico.
Nesse sentido, Wolton conclui “se os internautas convencidos de uma Internet democrática querem conservar uma real iniciativa, é preciso uma aliança entre eles e as forças culturais, sociais e políticas que compreenderam que a comunicação é um dos maiores desafios da sociedade de amanhã.”19
Desse modo, busca-se encontrar o consenso fundamentado em valores éticos, que devem prevalecer nas relações do meio eletrônico e que servirão como base para elaboração de futuras legislações, bem como é conveniente acrescer as idéias de Karl-Otto Apel quando este estimula o modelo discursivo para se atingir o consenso.
No entanto, há que se observar com uma certa ressalva as idéias desse autor, pelo fato de ele realmente não se importar com o conteúdo do referido consenso, devido ao seu apego ao formalismo.
Constata-se, então, que apesar da relação ética, tecnologia e sociedade representar um caminho complexo, especialmente, na era de pós-globalização, em que já existe uma certa dificuldade em definir que espécie de ética vigorará em um campo que, desde o século XVIII com advento do progresso científico, sempre foi apartado de juízos de valores, mas que, nos últimos anos, necessita que lhes sejam agregados, a fim de preservar a própria existência da humanidade tanto na relação com a biosfera como nos novos formatos de relações sociais.
6. Conclusão
O fato de o homem ser responsável pela construção de sua própria história permitiu sua evolução no decorrer dos séculos, no âmbito material, mediante progressos científicos, desde a era da máquina a vapor até a revolução digital provocada pela descoberta do chip.
No campo das idéias essa evolução igualmente foi bastante sentida, na tentativa de centrar a ética em diversas concepções ao longo dos tempos. Apesar de ter iniciado, a partir da reflexão aristotélica, com a busca por uma felicidade, ao se atingir o meio termo, que se traduziu numa realização individual, mas acima de tudo social, mediante a prática de virtudes em relação aos outros indivíduos. Passou pelo utilitarismo de Bentham e Mill concentrado na busca pelo bem-estar comum, sem ou com quantificação e qualificação, além do contratualismo em que configurou o fundamento do pacto social. Atingiu, por fim, um pluralismo ético como ideal para só então “desaguar” no que conhecemos por ética mundial.
Essa atual vertente pretende, na verdade, colocar o homem em integração com os demais seres e com a própria Terra, entendendo-o como um dos elementos desta e não como o único e principal e isso ocorreu pela necessidade de se ater a preocupações originadas com uma prática desenfreada de um capitalismo liberal em um mercado globalizado, que construiu nações super poderosas em face da degradação de outras culturas e do próprio meio ambiente.
Daí o porquê de se buscar uma ética construtivista, para, mediante novos valores e princípios universais, elaborar novos caminhos para o indivíduo seguir nessa “aldeia global”.
Todavia, convém atentar também para a necessidade de se aplicar limites éticos à técnica moderna, compreendendo esta o principal fator de intervenções, sem medidas, do homem em campos nunca antes imaginados como nas alterações de sua própria existência, mediante a genética, ou criação de novos espaços de comunicação em que não há limite espacial ou cultural (Internet).
Assim, não há como renegar a relevância atual de se estabelecer padrões éticos, para conter as conseqüências maléficas dos avanços tecnológicos, a fim de permitir que esses sejam utilizados para tornar a sociedade da informação mais democrática.
Além disso, é fundamental, após o estabelecimento de padrões éticos fundados no aspecto principal da ética contemporânea, ou seja, no pluralismo, que se estabeleça uma relação entre tais padrões e as normas jurídicas, cujos fundamentos se encontrarão naqueles.
Destarte, não se constitui tarefa impossível a elaboração de limites éticos para se aplicar às relações ocorridas no meio eletrônico, especialmente, ao se utilizar de uma conjunção das concepções éticas modernas como àquelas abordadas anteriormente mediante a busca por um consenso a partir de um discurso democrático entre os cidadãos (incluindo usuários e futuros usuários desse meio) e aplicação do princípio de responsabilidade de Hans Jonas como caminho para aplicar os objetivos de uma ética mundial ao meio eletrônico.
Por isso, esse padrão ético não deve ser tido como abstração, mas sim como uma ética que já teve seu alicerce elaborado e que servirá de grande utilidade para diminuir a complexidade da aplicação da ciência e das novas tecnologias, que requerem urgentemente alguma espécie de inspiração valorativa.
1 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Livro 2. 2003, p. 49.
2 BOFF, Leonardo. Ética & eco-espiritualidade. Campinas-SP: Verus Editora, 2003, p. 12.
3Seguem essa linha de pensamento Leonardo Boff e Peter Singer.
4 MORIN, Edgar. A responsabilidade do pesquisador perante a sociedade e o homem. IN: Ciência com Consciência. 4 ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 117-123.
5 MORIN, Edgar. O método 6: ética. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 73.
6 BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Brasília: letraviva, 2000, p. 26.
7 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 40-50.
8 BUNGE, Mario. Dicionário de filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 375.
9 JONAS, Hans. Ética, medicina e técnica. Lisboa: veja, 1994, p. 36-37.
10 Ibid, p. 37.
11 CARVALHO, Edgar de Assis. Polifonia cultural e ética do futuro. Revista Margem. Dossiê: Ética e o futuro da cultura. São Paulo: Educ, 1999, p. 37.
12 DUPAS, Gilberto. Ética e poder na sociedade da informação: de como a autonomia das novas tecnologias obriga a rever o mito do progresso. 2. São Paulo: Ed. UNESP, 2001, p. 122-123.
13 BECCHI, Paolo. La ética en la era de la técnica.Elementos para una critica a Karl-Otto Apel e Hans Jonas. Doxa nº 25 – 2002. Disponível em: www. cervantesvirtual.com, p. 122.
14 Ibid, p. 121.
15 SINGER, Peter. Um só mundo: A ética da globalização. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 15-16.
16 BECCHI, Paolo. La ética en la era de la técnica. Elementos para una critica a Karl-Otto Apel e Hans Jonas. Doxa, n 25, 2002, p. 118.
17 LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 11.
18 BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Brasília: letraviva, 2000, p. 61-63.
19 WOLTON, Dominique. Pensar a Internet. In: A genealogia do virtual: comunicação, cultura e tecnologia do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2004, p. 154.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Mestrado - Turma 5

Abertas as inscrições para a turma 5 do Mestrado em Direito da UFAL.

Informações no site:

http://www.fda.ufal.br/mestrado/direito/?pg=arquivos-php

domingo, 30 de novembro de 2008

Tortura e vingança

Reportagem da Veja:
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"Executado com injeção letal o chinês Yang Jia, de 28 anos. Ele foi condenado à morte por ter invadido, com bombas de fabricação caseira, uma delegacia de Xangai, esfaqueado dez policiais e matado seis deles. Yang disse que o crime foi uma vingança pelas torturas que sofreu ao ser interrogado por um roubo de bicicleta. Ele é visto como um herói diante dos abusos da polícia chinesa".
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Como diria Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem".
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O que vocês acham?

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

No site http://bdtd2.ibict.br/ você consegue acessar teses científicas produzidas em todo o país.

Vale a pena conferir.