quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A Pretensão à Tutela Jurídica: Direito Fundamental ou Garantia Constitucional?


Pedro Henrique Pedrosa Nogueira
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1. Introdução
Quando se toma em consideração a pretensão à tutela jurídica, ou o direito à jurisdição (“direito de ação”, segundo a terminologia usual no Brasil), como uma espécie de direito fundamental, a princípio se poderia pensar que tal relacionamento não traria qualquer problema teórico ou prático para a Ciência Jurídica Constitucional (Dogmática Constitucional), principalmente porque o texto da Constituição Federal brasileira, dentro do rol dos direitos e garantias fundamentais (CF, art. 5º, XXXV), consagra a inafastabilidade do controle jurisdicional.
A aparente da correção (veracidade) de tal premissa – a de que o direito à jurisdição seria perfeitamente enquadrável como um direito fundamental -, entretanto, esbarra em pelo menos dois problemas teóricos, cuja solução pode confirmar ou infirmar a tese de que a pretensão à tutela jurídica seria uma espécie de direito fundamental.
Com efeito, no âmbito da Ciência do Processo há doutrinadores sustentando com veemência a natureza tipicamente processual da pretensão à tutela jurídica, o que decerto afastaria a possibilidade teórica de ser considerada como um tipo de direito fundamental.
Por outro lado, dentro da própria Ciência Jurídica Constitucional, do Brasil e também do Direito comparado, tornou-se clássica a distinção entre direitos e garantias fundamentais, sendo o direito à jurisdição normalmente tipificado apenas como uma espécie de garantia de proteção aos direitos fundamentais, e não como um direito com foros de autonomia.
Se no Direito brasileiro a discussão sobre se a pretensão à tutela jurídica seria um direito ou uma garantia, do ponto de vista prático, até poderia não ter muito relevo, porque ambos estão protegidos pela regra de preservação do cerne irrestringível (art. 60, § 4º da CF), no plano teórico a discussão é relevante, pois irá possibilitar uma nítida compreensão da verdadeira natureza desse direito, repercutindo decisivamente na concepção de certas categorias normalmente estudadas em outros ramos do saber jurídico, como o Direito Processual.
O objeto desse trabalho, portanto, consiste em precisar se a pretensão à tutela jurídica seria um direito fundamental, ou se seria uma garantia constitucional.
2. A dogmática constitucional e os direitos fundamentais
É rica a produção doutrinária e são diversas as discussões doutrinárias suscitadas em torno da temática dos direitos fundamentais, assim como distintas são as perspectivas para se buscar a sua conceituação. Pode-se abordar o conceito de direitos fundamentais a partir de sua perspectiva jusfilosófica, uma vez ser o jusnaturalismo moderno (movimento filosófico e político da idade moderna) a fonte das concepções desses direitos. Também é possível analisar o fenômeno desde uma perspectiva histórica, através da investigação do problema das “gerações” de direitos.
Para nosso objetivo, entretanto, interessa, exclusivamente, uma análise dogmático-jurídica do problema: trata-se de conceituar os direitos fundamentais a partir do Direito positivo sem dispensar o supedâneo teórico das concepções construídas a partir do direito positivo de outros ordenamentos jurídicos, como o português.
Tradicionalmente, designa-se por direito fundamental aquele direito subjetivo que se positiva quando o Estado edita regras jurídicas nas quais se traduz a equação “man versus the state”, mesmo sem estar obrigado a reconhecê-lo, explícita ou implicitamente, por alguma regra de Direito supra-estatal1. As concepções contemporâneas também não deixam de considerar a possibilidade de oposição de direitos fundamentais aos particulares, através da chamada eficácia externa ou horizontal2 - 3. De fato, embora historicamente o nascimento dos direitos humanos se ligue à concepção de defesa do indivíduo frente ao poder absoluto do soberano como expressão dos ideais liberais-burgueses, do ponto de vista jurídico-positivo, é inegável a existência de certos direitos (e.g. direito à vida, à liberdade de locomoção) que podem ser exercidos diretamente – e como tal são garantidos pela Constituição -, contra quaisquer membros da comunidade, sejam entidades públicas, ou entidades de caráter privado, ou, ainda, pessoas físicas. Não seria acertado, segundo nos parece, limitar o alcance da proteção conferida pelas regras de direitos fundamentais, hoje, apenas considerando como seu destinatário o Estado.
Não se deve perder de vista que os direitos fundamentais, mesmo lhes sendo conferidos pelas constituições em geral um regime jurídico com aspectos bem particulares (e.g., aplicabilidade imediata, preservação do núcleo imodificável etc.), e mesmo parte da doutrina lhes atribuindo uma dimensão objetiva4, para também encará-los como valores da ordem constitucional a serem observados nos âmbitos legislativo, administrativo e judiciário, não perdem o caráter de direitos subjetivos – e é apenas nessa perspectiva que iremos abordá-los. Eis o corte metodológico que entendemos de rigor: os direitos fundamentais são aqui encarados apenas como direitos subjetivos, ainda que doutrinariamente se cogite da ampliação semântica do conceito para se poder nele abarcar outras realidades.
Por isso, necessariamente, pressupõem os direitos subjetivos fundamentais: i) regra jurídica de direito constitucional ou de direito internacional; ii) a concretização do(s) fato(s) previsto(s) no suporte fático daquela regra; iii) a incidência da regra sobre o seu suporte fático. Apenas após se poderá falar de eficácia jurídica. Somente depois de constituído o fato jurídico, por força da incidência, é que se poderá falar de eficácia jurídica5, e, portanto, de direito subjetivo como efeito jurídico.
Sendo o direito fundamental categoria de eficácia jurídica, segue a conclusão de que o seu surgimento somente se dará após a fenomenologia da incidência. Incidindo a norma sobre o seu suporte fáctico, tudo aquilo que resulta de vantajoso para alguém é direito, no sentido subjetivo; consiste em acréscimo na esfera jurídica do respectivo titular6. Ao mesmo tempo, tem-se a limitação da esfera jurídica de outro sujeito, o titular do dever correspectivo, já que se há um direito, por outro lado, deverá existir um dever, no lado passivo da relação jurídica7.
A doutrina formada a partir do Direito Constitucional português, sobretudo J. J. Gomes Canotilho8, chegou a cogitar da existência de direitos fundamentais sem deveres correspectivos (= não-correspectividade entre direitos e deveres fundamentais), por exemplo, nos casos dos direitos, liberdades e garantias vinculantes de entidades privadas, nos quais embora seja possível cogitar de sua eficácia na ordem privada, como previsto no art. 18º, n. 1 da Constituição portuguesa de 19769, o caráter relacional entre direitos e deveres não se faria presente.
Tal perspectiva, contudo, é de afastar-se, inclusive no Direito português. Não existe possibilidade lógico-jurídica de subsistir um direito sem que do lado passivo da relação jurídica haja algum sujeito portando o dever correspondente; o princípio da correspectividade de direitos/deveres é essencial dentro de uma relação jurídica10 e, sem esta, impossível cogitar-se da existência do direito subjetivo. Quando J. J. Gomes Canotilho aludiu ao art. 18º, n. 1 da Constituição de Portugal, partiu da premissa de que nos casos em que o direito fundamental é oposto contra entidades de caráter privado não haveria um dever fundamental correspectivo. Ora, em tais situações, o direito fundamental pode ser oposto contra o Poder Público e contra os particulares, também de forma direta, sendo o dever fundamental correspectivo, naturalmente, de ambos. Mesmo os autores portugueses que não aceitam irrestritamente a tese da vinculação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, cogitam da existência de um “dever geral de respeito” atribuído aos particulares em face dos direitos fundamentais11, o que demonstra a fragilidade, até mesmo entre os que não aceitam a eficácia direta dos direitos fundamentais na ordem privada, da tese da não-correspectividade de direitos e deveres fundamentais. Segundo Lourival Vilanova12, em toda relação jurídica está um termo-sujeito perante outro termo-sujeito; as relações no direito são irreflexivas.
Portanto, os direitos fundamentais, concebidos como posição de titularidade de vantagem em favor de determinado sujeito, surgida após a incidência da regra jurídica sobre o seu suporte fático, hão de pressupor, necessária e correspectivamente, do lado passivo da relação jurídica, um dever jurídico.
3. A pretensão à tutela jurídica: o problema terminológico
Antes de enunciar um conceito de pretensão à tutela jurídica, não se pode deixar de oferecer resposta às seguintes perguntas: qual a razão para se abandonar a taxionomia usual da doutrina? Qual a razão para se adotar o termo pretensão à tutela jurídica em lugar de expressões já difundidas doutrinariamente (direito de ação, ação etc.)?
Já manifestamos, em outra oportunidade13, a inadequação do termo “direito de ação” para designar o direito de ir à juízo; por não o utilizaremos aqui. Já o termo ação, também de utilização difundida no Brasil, propicia o problema da ambigüidade, que deve ser ao máximo evitada em Ciência. O signo ação tem servido para designar a ação de direito material, a ação processual, o direito à jurisdição e também o próprio processo. Essas vicissitudes semânticas nos aconselham a abandonar esse termo e buscar outro mais adequado.
A expressão pretensão à tutela jurídica, aqui adotada no sentido preconizado por Pontes de Miranda14, tem a vantagem de evitar aquela ambigüidade, além de expressar fielmente a realidade a que se refere. Nesse sentido, pretensão é o direito subjetivo dotado de exigibilidade. Tutela jurídica é prestação a que o Estado-juiz se obrigou em razão da assunção do monopólio da jurisdição. A pretensão à tutela jurídica, assim, nada mais é do que o direito público subjetivo conferido a todos os sujeitos de direito a que o Estado, através dos órgãos jurisdicionais, preste a justiça15.
Para que se tenha a pretensão à tutela jurídica, não é necessário ter-se o direito subjetivo que se alega possuir quando se vai a juízo, seja na qualidade de autor ou de réu. O Estado prometeu a todos os sujeitos de direito (inclusive os não-presonificados, e.g. nascituro, massa falida) o acesso à justiça. Quando aquele que demanda obtém uma sentença desfavorável, recebe do Estado a tutela jurídica prometida da mesma forma quando o demandado obtém uma sentença de rejeição da demanda, mesmo sabendo que seu adversário teria o direito subjetivo reclamado.
Eis o ponto de grande relevância para nossas conclusões: não só têm a pretensão à tutela jurídica os titulares de um direito subjetivo, no plano do direito material, pois seria afirmar-se que só tem direito de ir a juízo aquele que tem “razão”; nem só a têm aqueles que ingressam em juízo como demandantes. O réu, quando se defende, também está exercendo pretensão à tutela jurídica. Por isso se afirma, ao nosso ver de forma escorreita, que a defesa é o poder de exigir a prestação jurisdicional sob o ponto de vista do réu16.
Em síntese: a pretensão à tutela jurídica é o direito de exigir do Estado a entrega de tutela jurisdicional, sendo autônoma e abstrata, por independer da existência do direito subjetivo que se diz possuir quando se vai a juízo, além de universal, por ser atribuída a todos os sujeitos de direito.
3.1. O fundamento constitucional da pretensão à tutela jurídica
Embora esteja diretamente ligada ao processo, por meio do qual o Estado presta a tutela jurídica, a pretensão à tutela jurídica não possui natureza processual; ela é pré-processual, pois sua existência é, necessariamente, anterior ao processo17, já que apenas após o seu exercício, é que será formada a relação jurídica processual. Por isso, ela se situa no plano do Direito público material, especificamente, no âmbito do Direito Constitucional. Sua existência, no Direito brasileiro, decorre da incidência da regra jurídica inserta no art. 5º, XXXV da Constituição Federal:
Art. 5º omissis
XXXV - A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Autores como Fábio Gomes, contudo, sustentam que o “direito subjetivo de ação” nasceria no momento em que o Estado estabeleceu o monopólio da jurisdição e se situaria no plano processual, pois o dispositivo constitucional acima referido, para ele, “além de conter afirmação equivocada”, também seria “irrelevante”18.
3.2. A pretensão à tutela jurídica e as garantias constitucionais
Partindo da análise do conceito de pretensão à tutela jurídica à luz da Teoria dos direitos fundamentais, sobretudo a partir das concepções formuladas em torno dos Direitos português e brasileiro, observa-se uma tendência muito forte de considerá-la uma garantia constitucional de defesa dos direitos fundamentais19. Daí Jorge Miranda afirmar, aludindo ao princípio da tutela jurisdicional: “Os direitos fundamentais serão sempre insuficientemente protegidos enquanto estiverem desprovidos de tutela jurisdicional”20.
Mesmo aqueles que consideram as garantias também como espécie do gênero direito subjetivo - e o direito à tutela jurisdicional é normalmente considerado por esses doutrinadores como uma garantia -, não deixam de conceberem-na como uma técnica para a realização dos direitos fundamentais. José Afonso da Silva, a esse respeito, sustenta: “essas garantias não são um fim em si mesmo, mas instrumentos para a tutela de um direito principal”21 (o direito fundamental).
Já Gilmar Ferreira Mendes, considera o chamado “direito de proteção judiciária” uma espécie de garantia institucional, com âmbito de proteção estritamente normativo, isto é, dependente, para sua concretização, da edição de um complexo normativo, pois em relação a ela (garantia) cabe ao legislador ordinário definir o conteúdo e a amplitude22.
4. Apreciação crítica: pretensão à tutela jurídica como um autêntico direito fundamental
As posições acima expostas, tanto a que considera a pretensão à tutela jurídica como direito de natureza processual, como a que a considera uma espécie de garantia constitucional não estão imunes a críticas.
De fato, a pretensão à tutela jurídica, concebida como direito de se invocar a jurisdição, pré-existe ao processo; na verdade, a relação jurídica processual é justamente a conseqüência de seu exercício. Por isso, não nos parece aceitável a posição sustentada por Fábio Gomes, já que o direito de exigir a prestação jurisdicional tem fundamento no art. 5º, XXXV da Constituição Federal.
Por outro lado, o enquadramento da pretensão à tutela jurídica como garantia constitucional de proteção dos direitos fundamentais, por paradoxal que pareça, revela significativo retrocesso em relação à concepção daquele direito.
Não se pode pretender vincular – e essa vinculação se mostra nítida no pensamento de Jorge Miranda23 -, a efetivação dos direitos fundamentais com o direito de acesso à jurisdição, compreendido como garantia constitucional, que, segundo aquele autor, seria “acessória” em relação ao direito por ela tutelado.
A pretensão à tutela jurídica não se apresenta como uma garantia constitucional, mas como um verdadeiro direito fundamental autônomo, completamente independente como o direito fundamental que, eventualmente, venha a ser defendido em juízo.
Se alguém vai ao tribunal se dizendo titular de certo direito fundamental e o julgador, considerando procedente a demanda proposta, assim o declara, satisfez dois direitos fundamentais: a pretensão à tutela jurídica e aquele objeto da res in iudicium deducta; se a demanda é repelida (com ou sem exame de mérito), o julgador, justamente porque a jurisdição fora exercida, satisfez, do mesmo modo, o direito fundamental conferido ao demandante de invocar o poder jurisdicional.
O direito de invocar a tutela jurisdicional do Estado, como visto, é também exercido pelo réu quando se defende em um processo judicial e essa realidade parece haver passado desapercebida pelos constitucionalistas que consideram aquele direito como uma espécie de garantia constitucional.
Ora, se o réu, mesmo sem estar defendendo qualquer direito fundamental - já que tal posição caberá no processo em tese ao demandante -, exige do Estado-juiz a entrega da prestação jurisdicional, recebendo-a no momento em que o litígio é resolvido, mesmo quando a decisão lhe seja desfavorável, é evidente que a pretensão à tutela jurídica jamais poderia ser considerada mero instrumento par a defesa de direitos fundamentais.
Dizer que a pretensão à tutela jurídica seria uma garantia constitucional, como quis Jorge Miranda, seria admitir que ela seria um instrumento à disposição apenas de quem tem (ou afirma ter) um direito fundamental que ela viria proteger. E, nesse caso, ficaria sem explicação o fato de o demandado, mesmo sem estar defendo a existência de um direito fundamental (ao contrário defendendo a inexistência do direito alegado pelo seu adversário), também ter o direito de exigir do Estado a prestação da tutela jurisdicional.
Por outro lado, não se pode confundir a pretensão à tutela jurídica com os instrumentos que o Direito coloca à disposição dos interessados para, através deles, exercerem a o direito à jurisdição (e.g. mandado de segurança, ação civil pública, ação popular etc.), aos quais Pontes de Miranda24 denomina “remédios jurídicos processuais”, ou simplesmente “ações” de direito processual. Esses sim correspondem aos meios para a defesa, não só dos direitos fundamentais, mas de qualquer direito subjetivo.
Assim, no nosso modo de ver, a pretensão à tutela jurídica é uma espécie de direito fundamental, em cuja posição passiva se encontra o Estado-juiz, que tem como objeto a entrega da prestação jurisdicional, prometida a todos os sujeitos de direito em decorrência do monopólio estatal da jurisdição.
5. Conclusões
Ao final do exposto, podem ser extraídas as seguintes conclusões:
1. a pretensão à tutela jurídica é uma espécie de direito fundamental;.
2. mostra-se incompatível com o Direito positivo brasileiro (art. 5º, XXXV da CF) a tese defendida por Fábio Gomes, segundo a qual a pretensão à tutela jurídica teria natureza tipicamente processual, porque ela pré-existe à relação jurídica processual;
3. a concepção de que o direito à proteção jurídica pelos tribunais seria mera garantia, entendida como instrumento para a defesa dos direitos fundamentais, revela-se insuficiente por não fornecer explicação à participação do demandado na relação jurídica processual, a quem a ordem jurídica confere o mesmo direito.
4. são realidades inconfundíveis os remédios jurídicos processuais, como verdadeiros instrumentos para a realização dos direitos subjetivos em geral, e a pretensão à tutela jurídica, concebida como direito fundamental autônomo de invocar a jurisdição.
Advogado, Especialista em Direito Tributário, Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Alagoas.
1 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, IV, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1967, p. 628.
2 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 1995, p. 593.
3 Hoje, há um consenso doutrinário sobre existência de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Remanesce intenso debate, contudo, sobre a amplitude desses efeitos. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional manifestou entendimento no sentido de ser a eficácia dos direitos fundamentais nas relações particulares meramente mediata ou indireta (Cf. MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, São Paulo, Celso Bastos Editor, 1999, p. 224.). A tendência, contudo, sobretudo no Brasil e em Portugal, é de aceitar-se a eficácia direta, possibilitando-se aos particulares oporem-se mutuamente os direitos fundamentais, cabendo ao Poder Judiciário a solução dos casos de colisão de direitos, através do método da ponderação (Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 1995, p. 595; SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre, Livraria dos Advogados, 2004, p. 370, dentre outros). Ressalvadas as situações em que apenas o Estado foi posto na condição de destinatário (direito de petição, direito ao contraditório, e.g.), parece-nos, pela própria configuração normativa dada à proteção de certos direitos fundamentais, que não haveria sentido jurídico, ao menos no Direito positivo brasileiro, afirmar que apenas o Poder Público e não os particulares teriam obrigação de respeitar direitos como à livre locomoção, direito à honra, direito à vida, e.g.
4 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 1987, p. 273; SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre, Livraria dos Advogados, 2004, p. 152-160.
5 MELLO, Marcos Bernardes de. Teria do Fato Jurídico (Plano da Existência), São Paulo, Saraiva, 2000, p. 61.
6 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, V, Rio de Janeiro, Borsói, 1955, p. 225-227.
7 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, V, Rio de Janeiro, Borsói, 1955, p. 231.
8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra, Almedina,1995, p. 547.
9 “Artigo 18.º (Força jurídica)
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.”
10 MELLO, Marcos Bernardes de. Teria do Fato Jurídico (Plano da Existência), São Paulo, Saraiva, 2000, p. 158.
11 SILVA, Vasco Manoel Pascoal Dias Pereira da. Vinculação das Entidades Privadas pelos Direitos, Liberdades e Garantias, in Revista de Direito Público, nº 82, abr/jun, 1987, p. 50.
12 VILANOA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito, São Paulo, RT, 2000, p. 166.
13 NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. O princípio da Coextensão de Direitos, Pretensões e Ações, in Revista do Mestrado da Universidade Federal de Alagoas, ano I, nº 01, Maceió, Nossa Livraria Editora, jan/dez 2005, p. 116.
14 O termo “pretensão à tutela jurídica” (Rechtsschutzanspruch) foi introduzido por adolf wach, que para ele seria o direito de se obter do Estado, e frente ao demandado, a realização de um direito subjetivo. Pontes de Miranda apropriou-se da expressão, mas desvinculando-a do direito à realização do direito subjetivo (=direito a julgamento favorável).
15 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, I, Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 79.
16 DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Jurisdição, Ação (Defesa) e Processo, São Paulo, Dialética, 1997, p. 107.
17 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, I, Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 89.
18 GOMES, Fábio. Carência de Ação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 57.
19 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra, Almedina,1995, p. 652.
20 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, IV, Coimbra Editora, 1988, p. 255.
21 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 1997, p. 186.
22 MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, São Paulo, Celso Bastos Editor, 1999, p. 45.
23 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, IV, Coimbra Editora, 1988, p. 89.
24 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, I, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1973, p. 143 et passim.

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: ANÁLISES SOBRE SEU CARÁTER NORMATIVO, EFICACIAL E FUNCIONAL


Filipe Lôbo Gomes*
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INTRODUÇÃO. 1. O CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 2. O CARÁTER NORMATIVO E EFICACIAL DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 2.1. O caráter normativo do princípio da dignidade da pessoa humana. 2.2. A eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana. 2.2.1. O conceito de eficácia jurídica. 2.2.2. A eficácia jurídica dos direitos fundamentais e o seu relacionamento com a dignidade da pessoa humana. 2.2.3. Os direitos sociais e sua eficácia dignificante da pessoa humana. 2.2.4. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais. 3. AS FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 3.1. A função de legitimação ética da Constituição. 3.2. A sua função negativa e a vedação do retrocesso. 3.3. A função positiva da dignidade da pessoa humana. 3.4. A função integrativa do princípio da dignidade da pessoa humana. 3.5. A função hermenêutica do princípio da dignidade da pessoa humana. CONCLUSÃO
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INTRODUÇÃO
Tema que suscita grandes controvérsias no direito constitucional brasileiro, a conformação do princípio dignidade da pessoa humana apresenta diversos pontos e situações que demandam um estudo mais aprofundado.
Dentro da vastidão de referida temática, optou-se, por bem, em se fazer um recorte metodológico, de sorte a se estudar seu conceito, seu caráter normativo e eficacial e as funções que possui.
Nesse desiderato, adianta-se que os capítulos vindouros serão conformados por uma “certa compartimentação”, vez que existem muitos elos de ligação entre os mesmos.
Assim, no primeiro capítulo será tratado o conceito do princípio da dignidade da pessoa humana, com uma apreciação mais detida em seu mais importante caractere, o princípio do mínimo existencial, seu núcleo material elementar.
No segundo capítulo, enveredar-se-á pelos aspectos normativo e eficacial de mencionado princípio, atentando para o seu poder conformador dos direitos fundamentais e para o regime de eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais sociais.
Por fim, o terceiro capítulo trará uma sistematização dos efeitos do princípio da dignidade da pessoa humana, enveredando por seu aspecto de legitimação ética da Constituição, por suas dimensões negativa e positiva e por suas funções integrativa e hermenêutica.
Estes são, em síntese, os pontos principais do presente trabalho.
1. O CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana representa um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. Está relacionado com a liberdade de valores do espírito e com as condições materiais de subsistência. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, um conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da liberdade dos seres humanos, as quais, a despeito da variabilidade subjetiva de quem as elabora, parece incluir: renda mínima, saúde básica e educação fundamental, que são somados a um elemento instrumental, o acesso à justiça, o meio de sua exigibilidade.1
Dentro deste conceito, vê-se a relevância do entendimento do mínimo existencial, núcleo material a que se dirige a realização do princípio da dignidade da pessoa humana.
Falando sobre o mínimo existencial, merece destaque o posicionamento de Andreas Krell: “A Corte Constitucional Alemã extraiu o direito a um “mínimo de existência” do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1,I, Lei Fundamental) e do direito à vida e à integridade física, mediante interpretação sistemática junto ao princípio do Estado Social (artigo 20, I, LF).” 2
Aprofundando a concepção sobre o mínimo existencial, tem-se que o mesmo tem função de atribuir ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder Público em casos de diminuição de prestação dos serviços sociais básicos que garantam a sua existência digna. 3 4
Em outra quadra, estabelecendo um cotejo entre a dignidade da pessoa humana com a liberdade, destaca-se que aquela pode ser equiparada à fruição “do mais amplo sistema de liberdades iguais para todos”. Os direitos sociais e os direitos de participação política, neste sentido, não teriam um valor autônomo, porquanto não tutelam bens ou valores que são fins em si mesmos porque asseguram diretamente a dignidade humana ou o pleno desenvolvimento da personalidade do homem. Eles são, isto sim, instrumentalizados como meios para atingir o único e verdadeiro fim da espécie humana: a liberdade humana – base do constitucionalismo e da democracia.5
Por fim, com base nas lições de Ingo Sarlet, podemos sintetizar que a dignidade da pessoa humana se refere a uma qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, desta forma, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a todos contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, que garantam as condições existenciais mínimas para uma vida saudável e que propiciem e promovam sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.6
2. O CARÁTER NORMATIVO E EFICACIAL DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
2.1. O caráter normativo do princípio da dignidade da pessoa humana
A Constituição outorgou aos princípios fundamentais, dentre os quais se destaca o princípio da dignidade da pessoa humana, a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e especialmente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, que igualmente integram (juntamente com os princípios fundamentais) aquilo que se pode – e neste ponto parece haver consenso – denominar de núcleo essencial da nossa Constituição formal e material. Nesse diapasão, ganhou em importância, em nosso direito constitucional positivo, a fixação do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de Direito, conforme art. 1º, III, da Constituição de 1988, tendo sido trazida também como fundamento da ordem econômica, a qual tem a finalidade de assegurar a todos uma existência digna (art. 170), além de representar uma das bases do planejamento familiar, fundado na dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável (art. 226, § 6º), e de assegurar à criança e ao adolescente o direito a sua existência digna (art. 227, caput).7
Dentro deste aspecto, e fortalecendo o seu caráter normativo, Ingo Sarlet é elucidativo sobre o importe da dignidade da pessoa humana como fundamento de um Estado Democrático de Direito:
Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha – além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.8
Ao se qualificar a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, tem-se a certeza de que o artigo 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia. 9
Paulo Bonavides, ao se referir ao princípio da dignidade da pessoa humana, afirmou que sua densidade jurídica constitucional há de ser máxima, e, se houver reconhecidamente um princípio no trono da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados.10
Nesse sentido, é de se destacar que há um núcleo de condições materiais (mínimo existencial)11 que compõe a noção de dignidade de maneira tão fundamental que sua existência impõe-se como uma regra, um comando biunívoco, e não um princípio. Portanto, inexistindo essas condições, a dignidade terá sido violada, da mesma forma como as regras o são, eis que impossível a sua otimização. Todavia, ultrapassado esse núcleo, a norma mantém a sua natureza de princípio. Desta forma, se o núcleo da dignidade foi previsto pelo constituinte como limite à atuação das maiorias (que poderão desenvolver a partir dele seus próprios projetos de dignidade), a identificação desse núcleo e de sua eficácia jurídica é de maior relevância.12
Embasando-se nas premissas acima, assaca-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, ao ser positivado como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, ganhou importância como núcleo essencial de nossa constituição formal e material – aspecto interpretativo e conformador – imputando funções ao Estado como meio de realizar o ser humano, sendo dotado, por isso, de aspectos normativos e vinculantes quando da defesa de seu próprio núcleo material, o princípio do mínimo existencial.
Abrindo-se um parêntese para o estudo das normas de direito fundamental, no que se relaciona ao seu mínimo existencial, Robert Alexy em sua obra Teoría de los Derechos Fundamentales traz algumas proposições sobre o alcance e o sentido de referidas normas.
Numa de suas primeiras conclusões ele relata que “normas de deixo fundamental son solo aquéllas que son expressadas directamente por enunciados de la LF13 (disposiciones de derecho fundamental).”14 Assim, só são normas de direito fundamental aquelas que estejam expressas na Constituição.
Feita a observação, vê-se que Alexy alarga ainda mais a sua concepção trazendo a idéia de “relación de precision”, isto é, uma relação de sintonia que o pretenso direito fundamental deveria ter com o texto da Constituição. Esta evolução de pensamento teve o condão de abarcar as normas de direito fundamental não positivadas. Assim ele sintetiza: “Las normas de derecho fundamental pueden, por ello, dividirse em dos grupos: en las normas de derecho fundamental directamente estatuidas por la Constitución y las normas de derecho fundamental a ellas adscriptas.” 15 (itálico nosso)
Posteriormente, assaca mais um critério, o da “fundamentación iusfundamental correcta”, pela qual uma norma não positivada seria uma norma de direito fundamental se fosse possível dar uma fundamentação iusfundamental correta. 16
Por fim, e não com menos importância, o autor alemão cita trecho da obra de Müller, no qual se estabelece que a norma jurídica tem a sua conformação determinada pela realidade social ao mesmo tempo em que a conforma e conforma a si mesma. Eis os trechos:
(...) la norma jurídica (está) también determinada por la realidad social, por el ámbito normativo” (...) Por lo tanto, “ la norma jurídica há de ser entendida como un proyecto vinculante que abarca tanto lo reglante como lo que ha de ser reglado” (...) Com respecto a los derechos fundamentales esto significa, en palabras de Müller, lo seguinte: “ Los derechos fundamentales son garantias de proteccíon objetivamente acuñadas, de determinados complejos individules y sociales concretos de acción, organización y de matérias. Estos ´ámbitos materiales´ son constituidos en ´ámbitos normativos´ por el reconocimiento y garantía de la regulación normativa, del ´programa normativo´ iusfundamental. Los ámbitos normativos participan em la normatividad práctica, es decir, son elementos codeterminantes de la decisión jurídica.17(Itálico nosso)
Sumariando as lições, para o caso do presente trabalho, tem-se que os direitos fundamentais tanto podem estar positivados como não positivados, servindo como elementos importantes para a sua determinação o uso dos instrumentais ofertados pela “relação de precisão” e pela “fundamentação iusfundamental correta”, critérios de adequação, que têm como auxiliar importante para este processo o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito e núcleo essencial de nossa constituição formal e material, devendo ser levada em conta, ademais, a realidade social em que se encontra a norma e os âmbitos materiais – prevalência da constituição material - traçados pelo programa normativo iusfundamental, o qual, mais uma vez, em nosso país, tem no princípio da dignidade da pessoa humana o seu elemento fundamental.
Por oportuno, aproveitando a breve conceituação de normas de direito fundamental, cumpre abrir um parêntese para traçar uma distinção, ainda que de cunho predominantemente didático, entre as expressões “direitos do homem”, “direitos humanos” e “direitos fundamentais”. A primeira expressão representa os direitos naturais não, ou ainda não positivados. A segunda expressão dá conta dos direitos positivados na esfera do direito internacional. Ao passo em que a última expressão, esta que mais interessa ao presente estudo, representa os direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado.18
Retornando à analise do princípio da dignidade da pessoa humana, vislumbra-se, nesse ponto, sua dúplice posição, vez que se apresenta como norma, quando verificada a defesa do mínimo existencial, e elemento conformador das demais normas, quando se apresenta como princípio.
Todavia, em que pese todo este aspecto normativo, para que decorra a proteção positiva, mister se faz considerar a dignidade como atributo da pessoa humana individualmente considerada, e não de um ser ideal ou abstrato, razão pela qual não se deverá confundir as noções de dignidade da pessoa e de dignidade humana, quando esta for referida à humanidade como um todo. Assim, também para o nosso direito constitucional positivo, conforme se assacou linhas acima, é a dignidade da pessoa humana (de cada e, à evidência, de todas as pessoas) concreta e individualmente considerada o objeto do reconhecimento e proteção pela ordem constitucional. 19
A dignidade da pessoa humana, como conteúdo concreto, tal qual o aspecto histórico dos direitos fundamentais, assume particular relevância como limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade. 20
Concluindo, nesse estádio, com as lições de Ingo Sarlet, pode-se afirmar que a dignidade como limite e tarefa sustenta uma dimensão dúplice, enquanto se apresenta como expressão da autonomia da pessoa humana (vinculada à idéia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência) e como necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando fragilizada ou até mesmo – e principalmente – quando ausente a capacidade de autodeterminação. Desta feita, na sua perspectiva assistencial (protetiva) da pessoa humana, poderá prevalecer em face da dimensão autonômica, de tal sorte que todo aquele a quem faltarem as condições para uma decisão própria e responsável, em especial no âmbito da biomedicina e bioética, poderá até mesmo perder – pela nomeação eventual de um curador ou submissão voluntária a tratamento médico e/ou internação – o exercício pessoal de sua capacidade de autodeterminação, restando-lhe, contudo, o direito a ser tratado com dignidade (protegido e assistido). 21
2.2. A eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana
2.2.1. O conceito de eficácia jurídica
Cabe, antes de adentrar nos aspectos da eficácia jurídica e efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, tracejar os seus conceitos. Nesse sentido, a eficácia do Direito apresenta duas concepções, a eficácia social (efetividade), que designa a perfeita consonância de uma conduta com a previsão legal - a norma é realmente obedecida e aplicada - é a capacidade de se atingir os objetivos fixados na norma, de realizar os ditames jurídicos objetivados pelo legislador. Por outro lado, a eficácia jurídica diz respeito à aplicabilidade (realizabilidade, praticidade), exigibilidade ou executoriedade da norma, favorecendo à produção de efeitos. 22
No que reporta à eficácia jurídica, cabe discernir o que seja aplicabilidade, exigibilidade e executoriedade. A exigibilidade resulta da adequação da norma jurídica ao seu fundamento de validade, ou seja, ao fato de ela ser válida diante do sistema jurídico como um todo. A execução, por outro lado, consiste numa atividade impositiva do fato, ou seja, na atividade desenvolvida por funcionários competentes para que seja realizado o comando normativo. A aplicabilidade, por fim, seria a criação de uma norma concreta a partir da fixação do significado de um texto normativo abstrato em relação a um determinado caso.23
Andreas Krell apresenta interessante conceito de eficácia jurídica: por eficácia jurídica entendemos a capacidade (potencial) de uma norma constitucional para produzir efeitos jurídicos.”24
Depois de apresentadas estas breves noções, destaca-se que não é o objetivo do presente trabalho aprofundar a questão sobre os diversos planos de eficácia das normas constitucionais, cingindo o tema a uma teoria geral da eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana através da concretização processada pelos direitos fundamentais.
2.2.2. A eficácia jurídica dos direitos fundamentais e o seu relacionamento com a dignidade da pessoa humana
Ao se falar em eficácia dos direitos fundamentais, deve-se ter em vista que, à luz do significado trazido no art. 5º, § 1º, da Lei Fundamental, aos poderes públicos incumbe a tarefa de extrair das normas que consagram os direitos fundamentais a maior eficácia possível, outorgando-lhes efeitos reforçados, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a presunção de aplicabilidade imediata e plena eficácia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui, em verdade, um dos esteios de sua fundamentabilidade formal no âmbito da Constituição. Justifica-se, assim, uma aplicabilidade imediata sem o intermédio de qualquer mediação concretizadora. Ao passo em que ao se negar aos direitos fundamentais esta condição privilegiada, implicaria em negar-lhes a própria fundamentalidade. Não por outro motivo – isto é, pela sua especial relevância na Constituição – já se afirmou que, em certo sentido, os direitos fundamentais (e a estes poderíamos acrescentar os princípios fundamentais) governam a ordem constitucional.25
Desta forma, já que o princípio da dignidade da pessoa humana, quando da função da implementação do princípio do mínimo existencial, ganha funções normativas, plenamente adequada a sua aplicabilidade imediata e plena eficácia, sob pena de retirar-lhe a sua fundamentalidade.26
Como instrumento para conferir maior eficácia às normas de direitos fundamentais, neste ponto do trabalho, traz-se menção à interpretação valorativa, tão bem mensurada por Krell:
A referida interpretação valorativa funciona através da “flexibilização da literalidade normativa para uma ‘re-criação’ que conduza a lograr a justiça em concreto, ou o objetivamente justo do caso”. Essa “valoração”, contudo, não deve ser subjetiva no sentido de se basear sobretudo na subjetividade do operador, mas objetiva enquanto confira prevalência aos valores que o sistema jurídico integra.27
Diante do trecho retro, vislumbra-se que os aspectos subjetivos são de suma importância para se conduzir uma interpretação valorativa, baseada na prevalência dos valores que integram o sistema jurídico, desmerecendo a subjetividade do “operador” e a decorrente variabilidade de suas concepções e interpretações, em prol do resguardo do princípio da segurança jurídica.
2.2.3. Os direitos sociais e sua eficácia dignificante da pessoa humana
Voltando-se para um estudo eficacial na seara dos direitos sociais, como elementos de concretização da dignidade da pessoa humana, a despeito de parte da doutrina de orientação liberal negar a fundamentabilidade dos direitos sociais, sustenta-se, com Ingo Sarlet, a sua fundamentalidade. Ingo destaca que expressiva parcela da doutrina e a jurisprudência, nem tanto, têm entendido pela justiciabilidade da dimensão negativa (defensiva) do princípio da dignidade da pessoa humana, e da possibilidade de exigir em juízo as prestações vinculadas ao mínimo existencial, o que, de resto, acabou sendo objeto de reconhecimento em decisão recente do nosso Supremo Tribunal Federal (julgamento da ADPF nº 45 MC/DF (decisão proferida em 29.04.04)), quando o relator, Min. Celso de Mello, em decisão monocrática, e, a despeito de prejudicado o mérito (houve suprimento da omissão que deu origem à demanda), não deixou de afirmar enfaticamente a possibilidade de um controle judicial – agora também em sede de Argüição de Descumprimento – de políticas públicas na esfera dos direitos sociais (no caso, cuidava-se do direito à saúde), especialmente onde estiverem em causa prestações vinculadas ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana. 28
Sobre esse poder de atração e conformação do princípio da dignidade da pessoa humana, Ingo Sarlet destaca que “a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que “atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais”29, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). “Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade.”30
Nesse mesmo sentido, sobre a fundamentabilidade a justiciabilidade dos direitos sociais na satisfação de prestações materiais, têm-se as lições de Andreas Krell: “os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais.”31
Ainda nessa linha de pensamento, é de se citar Pontes de Miranda, para quem:
As normas constitucionais programáticas são dirigidas aos três poderes estatais: elas informam os Parlamentos ao editar leis, bem como a Administração e o Judiciário ao aplicá-las, de ofício ou contenciosamente. A legislação, a execução e a própria jurisdição ficam sujeitas a esses ditames, que são como programas dados à sua função.32
Confirmando os posicionamentos retro, José Luiz Bolzan de Morais destaca que, no respeitante aos direitos ditos fundamentais sociais estamos diante de valores intrínsecos a uma ordem constitucional comprometida com os valores humanitários e que, portanto, a sua carga eficacial não pode ser objeto de tergiversação ou concessões políticas, barganhadas como produtos em uma feira de supérfluos, mais ainda quando sabemos que os mesmos se constituem em meios para a concretização das liberdades, da mesma forma que estas em relação aqueles.33
Ainda na seara dos deveres de promoção e proteção, importa, dentro de uma visão dos direitos sociais, a proteção ao mínimo existencial para uma vida digna, fundamentado no direito à vida e no dever do Estado de promover as condições mínimas para uma vida com dignidade.34
2.2.4. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais
Importa perscrutar, no desenvolvimento da eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana, sobre a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, atente-se, como elementos de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.
A faceta objetiva dos direitos fundamentais significa que às normas que os prevêem é outorgada função autônoma que transcende à perspectiva subjetiva, e que, além disso, desemboca no reconhecimento de conteúdos normativos e, portanto, de funções distintas aos direitos fundamentais. Essa perspectiva objetiva acaba por agregar uma mais-valia jurídica, um reforço da juridicidade dos direitos fundamentais. Estes passam, diante da condição de normas que incorporam determinados valores e decisões essenciais que caracterizam sua fundamentalidade, a servir como parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos estatais. Além disso, devem ser observados como parâmetros para a criação e constituição de organizações (ou instituições) estatais e para o procedimento, através da extração de seu conteúdo de conseqüências para a aplicação e interpretação das normas procedimentais, mas também para a formatação do direito organizacional que auxilie na efetivação da proteção aos direitos fundamentais, de modo a se evitarem os riscos de uma redução do significado do conteúdo material deles, o que a doutrina chama de retrocesso.35
Andreas Krell, titularizando o fim deste item, posiciona-se sobre os efeitos da dimensão objetiva dos direitos fundamentais da seguinte maneira:
A compreensão jurídico-objetiva também é de fundamental importância para os deveres do Estado, pois a vinculação de todos os poderes aos Direitos Fundamentais contém não só uma obrigatoriedade negativa do Estado de não fazer intervenções em áreas protegidas pelos Direitos Fundamentais, mas também uma obrigação positiva de fazer tudo para a sua realização, mesmo se não existir um direito público subjetivo do cidadão.36
3. AS FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Mesmo que sucintamente levantadas algumas das funções da dignidade da pessoa humana no Capítulo II, proceder-se-á, agora, a uma sistematização de referidas funções tanto em seu aspecto principiológico como normativo.
3.1. A função de legitimação ética da Constituição
Uma das primeiras funções que se pode levantar é a de legitimação ética da Constituição. Os indivíduos se apresentam como a causa eficiente e final de toda a organização política.37
O valor fundamental e legitimante da ordem constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana, representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também todas as relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado. Assim, é o respeito à dignidade da pessoa humana que legitima a ordem estatal e comunitária, constituindo a um só tempo, pressuposto e objetivo da democracia.38 39
Nesse mesmo sentido, tem-se posicionamento de Jorge Miranda estabelecendo que é no princípio da dignidade da pessoa humana que está assentado o caráter compromissório da Constituição, ele confere unidade de sentido e valor ao sistema constitucional.40
A seu turno, Clémerson Mérlin Cléve, traz importantes posicionamentos sobre o papel do Estado diante dos direitos fundamentais:
(...) o Estado é uma realidade instrumental. É uma máquina concebida pelo constituinte para buscar a plena efetividade, a plena concretização dos princípios, dos objetivos e dos direitos fundamentais. (...) Todos os poderes do Estado, ou melhor, todos os órgãos constitucionais, têm por finalidade buscar a plena satisfação dos direitos fundamentais. Quando o estado se desvia disso ele está, do ponto de vista político, se deslegitimando, e do ponto de vista jurídico, se desconstitucionalizando – é isso que precisamos ter em mente. (...) os direitos fundamentais não são concessão, não estão à disposição do Estado. Pelo contrário, este, sim, está à disposição dos direitos fundamentais para buscar a sua plena concretização. Os direitos fundamentais não são instrumento do Estado; este, sim, é instrumento dos direitos fundamentais.41
3.2. A sua função negativa e a vedação do retrocesso
Outra função que se assaca é a de sua dimensão negativa, um limite à atuação do próprio Estado, podendo-se afirmar que todo e qualquer ato normativo, administrativo ou jurisdicional, que se revelar atentatório à dignidade da pessoa humana, será inválido e desprovido de eficácia jurídica, ainda que não decorra qualquer colisão frontal com qualquer dispositivo constitucional.42
Dentro deste sentido, importa destacar, como decorrência da dimensão negativa, a função de vedação do retrocesso. Nesse sentido, abeberando-se das lições de Sarlet, tem-se que a “função protetiva” (e, portanto, defensiva) da dignidade da pessoa humana se constitui num dos critérios materiais de proibição de retrocesso em matéria de direitos fundamentais, notadamente (mas não exclusivamente) na esfera dos direitos fundamentais sociais de cunho prestacional. A idéia básica é a de que eventuais medidas supressivas ou restritivas de prestações sociais efetivadas pelo legislador deverão ser consideradas inconstitucionais por violação do princípio da proibição do retrocesso, sempre que com isso restar afetado o núcleo essencial legislativamente concretizado dos direitos fundamentais, especialmente quando resultar em afetação do princípio da dignidade da pessoa humana, mormente, de seu mínimo existencial.43
3.3. A função positiva da dignidade da pessoa humana
Doutra banda, o princípio da dignidade da pessoa humana apresenta um caráter positivo. O Estado tem o dever de promover a dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem, desta forma, tem a sua dignidade ferida não apenas quando se vê privado de algumas de suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saúde, moradia etc.44
Assim, os entes estatais são obrigados a ter posturas ativas na solução das diversas mazelas que atingem à população, fornecendo as condições mínimas para que todos possam se desenvolver. É de se salientar, nesse ponto, o princípio das discriminações positivas, do qual se extrai a igualdade de pontos de partida para todos os cidadãos, tão comumente assimilado na realidade brasileira com as importantes, mas discutidas, políticas de quotas das universidades e de renda mínima.
3.4. A função integrativa do princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana apresenta um critério integrativo, o qual se presta ao reconhecimento de direitos fundamentais atípicos. Neste sentido, pretensões cuja concretização se afigure essencial à vida humana afirmam-se como direitos fundamentais, ainda que não encontrem previsão explícita no texto constitucional.45
Nessa linha, o que se pretende demonstrar é que o princípio da dignidade da pessoa humana assume posição de destaque, apresenta-se como diretriz material para a identificação de direitos implícitos (tanto de cunho defensivo como prestacional) e, de modo especial, sediados em outras partes da Constituição. Assim, sempre que se puder detectá-lo, mesmo para além de outros critérios que possam incidir na espécie, inequivocamente estaremos diante de uma norma de direito fundamental, observadas, é claro, as condições de cada caso.46
3.5. A função hermenêutica do princípio da dignidade da pessoa humana
Por fim, aventamos sua função hermenêutica. Como fundamento da ordem constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana configura diretriz inafastável para interpretação de nosso ordenamento. Nesse sentido podemos afirmar que referido princípio assume aspecto curial na ponderação de interesses constitucionais. A ponderação, neste caso, seria um método dirigido à afirmação e à concretização de valores supremos como a igualdade, fraternidade e justiça, bases em que se apóia todo o ordenamento constitucional e que estão condensados no princípio da dignidade da pessoa humana. Sem referida ponderação com o princípio da dignidade da pessoa humana, estar-se-ia fazendo tabula rasa dos valores supremos da ordem constitucional, da sua matriz axiológica e do seu fim último.47
Aprofundando ainda mais esta função integrativa e hermenêutica da dignidade da pessoa humana, revela-se, enfim, o posicionamento de Ingo Sarlet, destacando que: “Neste passo, impõe-se seja ressaltada a função instrumental integradora e hermenêutica do princípio, na medida em que este serve como parâmetro para aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico.” 48
CONCLUSÃO
1. O mínimo existencial, ou mínimo vital, núcleo elementar do princípio da dignidade da pessoa humana, é entendido como um conjunto de utilidades básicas para a subsistência física e indispensáveis para o desfrute da liberdade dos seres humanos, confirmando-se como um verdadeiro direito subjetivo a prestações negativas (abstenção) e positivas do Estado.
2. O princípio da dignidade da pessoa humana busca, em suma, a liberdade humana, utilizando de uma plêiade de direitos fundamentais como instrumentos para atingir sua finalidade.
3. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento de nosso Estado Democrático de Direito, ganha importância como núcleo essencial da nossa Constituição formal e material, decorrendo disto o seu caráter de finalidade precípua e conformadora da atividade estatal.
4. O princípio da dignidade da pessoa humana transparece sua faceta normativa quando incide em defesa do mínimo existencial, seu núcleo material. É a partir de sua concepção concreta e individualizada que ele se exprime como objeto de proteção constitucional, munindo-se da aplicabilidade imediata e da eficácia plena das normas constitucionais.
5. O princípio da dignidade da pessoa humana, como conteúdo concreto, oferta uma dúplice dimensão. A primeira delas é a defensiva, ou seja, a de proteção diante do Estado e dos demais particulares. A segunda é a prestacional, por meio da qual o Estado é movido a fornecer meios para que se garanta o mínimo existencial ao cidadão.
6. Os direitos sociais, enquanto elementos de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, são dotados de justiciabilidade pelo menos na dimensão negativa, ou seja, de proteção, e, em posicionamentos mais avançados, na dimensão positiva, de prestações do poder público.
7. O princípio da dignidade da pessoa humana, no que se refere à sua função de legitimação ética da Constituição, é tido como a causa e finalidade última de toda a organização política, motivo pelo qual é baliza para a feitura de todos os atos estatais e privados. O Estado é seu instrumento.
8. No que reporta à função negativa da dignidade da pessoa humana, referido princípio se assuma como limite à atuação estatal, sob pena de invalidade e perda da eficácia dos atos incompatíveis como o mesmo. É função que barra o retrocesso, ou seja, reduções no núcleo essencial dos direitos fundamentais.
9. No espectro positivo, o mesmo enseja determinações dirigidas ao Estado para que o este exerça prestações positivas tendentes a garantir o mínimo existencial em seu território.
10. Em seu aspecto integrativo, o princípio da dignidade da pessoa humana tem o condão de reconhecer direitos fundamentais atípicos.
Em sua função hermenêutica, o princípio da dignidade da pessoa humana se revela como uma diretriz para a interpretação do ordenamento jurídico.
* Serventuário do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Especialista em Direito Público e Mestrando em Fundamentos Constitucionais dos Direitos pela Universidade Federal de Alagoas –UFAL. Professor da Faculdade de Alagoas – FAL, lecionando as disciplinas Processo Constitucional, Administrativo e Tributário e Estrutura e Organização do Estado. Professor do Curso preparatório para OAB em mencionada faculdade. Co-organizador da Constituição do Estado de Alagoas, edição 2004.
1 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo, p. 35-37, In. GRAU, Eros Roberto (coord); CUNHA, Sérgio Sérvulo da(coord). Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003.
2 KRELL, Andreas Joachin. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 61.
3 Cf. Idem, Ibidem, p. 62.
4 Referido princípio, que busca assegurar o direito à subsistência, já teve acurado estudo de Pontes de Miranda, o qual destacou: “Assim, é indispensável, dizíamos em 1933 (Direito à Subsistência, 41) à realização do direito à subsistência: (1) que se insira em Declaração de Direitos rígida – como direito público subjetivo; (2) que a planificação o realize, partindo-se do reconhecimento científico da alimentação, da casa e da roupa (fixado o mínimo vital), dos meios de que se dispõe para a satisfação daquelas necessidades e dos outros direitos, e das medidas que cheguem aos resultados desejados, mais o coeficiente de melhoramento. A concepção dele como direito público subjetivo evita: a) que se elimine a personalidade, o indivíduo, e, evitando-o, consegue-se que se ligue o futuro às revoluções passadas, à grega, à cristã, à francesa, à americana e à russa; b) que se desbarate a técnica do direito, adquirida durante os últimos séculos; c) e que se deixe à mercê dos dirigentes, a seu bel-prazer, a realização do direito à subsistência (p. 42) (...) O direito à subsistência nada tem com o salário; só se refere ao mínimo vital.” MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Democracia, liberdade e igualdade: os três caminhos. Atualizador Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2002, p. 631-632.
5 Cf. MELLO, Cláudio Ari. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 127.
6 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 59-60.
7 Cf. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 61-62.
8 Idem, Ibidem, p. 65.
9 Cf. Idem, Ibidem, p. 70.
10 Cf. BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. 2 ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 233.
11 Parêntese não constante no original que representa noção estudada no primeiro capítulo deste trabalho.
12 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos direitos fundamentais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 194 e 199.
13 Lei Fundamental.
14 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 66.
15 Idem, Ibidem, p. 70.
16 Cf. Idem, Ibidem p. 71.
17 Friedrich Müller. Juristische methodic, 2 ed., Berlim,1976, pp. 60, 121, 193 e 194, apud Robert Alexy. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, pp. 74-75.
18 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5 ed. rev. atual. e ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 36.
19 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 51-52.
20 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 46-47.
21 Cf. Idem, Ibidem, p. 49.
22 Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6 ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 60 e 66.
23 Cf. NEVES, Marcelo. A Constitucionalização simbólica. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994, p. 44.
24 KRELL, Andreas Joachin. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 39.
25 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5 ed. rev. atual. e ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 272.
26 O que se pode extrair da explanação trazida no item 2.1.
27 KRELL, Andreas Joachin. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 82-83.
28 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 94.
29 José Afonso da Silva, A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia, in: Revista de Direito Administrativo, vol. 212, 1998, p. 92, apud Ingo Wolfgang Sarlet. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.45.
30 In SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 84.
31 KRELL, Andreas Joachin. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 19.
32 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários à Constituição Federal de 1969. Tomo I, 1970, p. 127.
33 Cf. MORAIS, José Luis Bolzan de Morais. As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 73.
34 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 106.
35 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5 ed. rev. atual. e ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 156 a 164.
36 KRELL, Andreas Joachin. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 78.
37 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000, p. 70.
38 In idem, ibidem, p. 59-60.
39 Uma democracia substancial, onde decorre a impropriedade da concepção corrente de que a democracia seria um sistema político fundado numa série de regras que garantem a omnipotência da maioria. Referida democracia deve ser entendida na perspectiva de Ferrajoli, como uma regra que ordene o que seja decidível pela maioria, onde os direitos fundamentais circunscrevam o que podemos chamar de esfera de indecidibilidade, ou seja, “do não decidir que”, das proibições determinadas pelos direitos de liberdade, “e do não decidir que não”, é dizer, das obrigações públicas determinadas pelos direitos sociais. Cf. FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta, 2001, p. 36.
40 Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, Tomo IV, Coimbra: Coimbra Editora, 1988, p. 166-167.
41 CLÉVE, Clémerson Mérlin. O controle de constitucionalidade e a efetividade dos direitos fundamentais, p. 389, In. SAMPAIO, José Adércio Leite (coord). Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
42 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000, p. 71.
43 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 121.
44 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000, p. 71.
45 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000, p. 73.
46 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 101.
47 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000, p. 73-76.
48 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. rev. atual. ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 80.

DIMENSÕES DA LINGUAGEM E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: UMA ABORDAGEM LÓGICA

Beclaute Oliveira Silva
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“As leis aí estão, mas quem as vai reger? Ninguém: cascos fendidos seu pastor não tem, embora possa remoer”. ALIGHIERI, Dante. Purgatório, Canto XVI, 97, in A Divina Comédia.
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INTRODUÇÃO. 1. O GIRO LINGÜÍSTICO E SEU REFLEXO NO DIREITO. 2. O SIGNO NORMATIVO. 3. PLANO SINTÁTICO. 4. PLANO SEMÂNTICO. 5. PLANO PRAGMÁTICO. 6. CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO.
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INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem por objetivo verificar aspectos da norma nos diversos níveis da dimensão da linguagem com intuito de lançar algumas luzes sobre problemas fundamentais do direito, como o controle da atuação da atividade administrativa e a efetividade dos direitos, dentre eles os direitos fundamentais.
Para tanto, demarcou-se o que se denominou de giro lingüístico e seu reflexo na teoria jurídica moderna. A centralidade da linguagem nesta questão será determinante para a constituição da própria realidade.
A influência da teoria da linguagem irá demarcar a lógica, inclusive a jurídica, dominando aquilo que lhe é central, ou seja, a norma. Desta forma, assim como o signo, a norma é a unidade mínima de sentido do fenômeno jurídico. Manifesta o seu aspecto no plano sintático, semântico e pragmático.
No plano sintático se observará o aspecto morfológico da norma. Aqui se obtém a forma, a moldura. No aspecto semântico tem-se o sentido dos enunciados prescritivos. No pragmático, a verificação do fim e da função da normatividade.
No campo do semântico, serão tangenciadas questões como hierarquia dos enunciados prescritivos, discricionariedade, conceitos (ou termos) jurídicos indeterminados, reserva do possível, ineficácia sintática, ineficácia semântica, dentre outros pontos que se referem a este aspecto da normatividade.
Dado relevante encontra-se no plano pragmático que necessita, para realizar-se, do plano sintático e do plano semântico. A identificação da norma como produção eminentemente pragmática põe, na centralidade do fenômeno jurídico, questões relevadas aos planos metajurídicos como a sociologia, a economia e a política. Assim, a não aplicação de um preceito passa a ser visto como uma inexistência de norma ou como uma atividade ilícita. Esta questão, por se referir à normatividade, é plenamente sindicável judicialmente.
1. O GIRO LINGÜÍSTICO E SEU REFLEXO NO DIREITO
A linguagem tem sido objeto de averiguação desde a Antigüidade. A primeira vez que ela vai tomar um certo caráter de centralidade será com os sofistas.1 Através desta corrente, que dá ênfase à teoria da prova, surge a idéia de que a verdade não tem por objeto os fatos, mas outra proposição.2
Na concepção dos sofistas, podia-se chegar a um juízo de verdade completamente dissociado do real.3 No caso, se o real é distinto do ideal, pior para a realidade.4 Com os sofistas, eram plenamente possíveis juízos contraditórios, graças à manipulação da linguagem. É interessante notar que esta centralidade ocorria no discurso político e ético-jurídico. Não mudou. Atualmente, a questão da legitimação do poder, da justiça, da realização do homem na sociedade, dentre outras, está presente no discurso filosófico da modernidade com reflexos marcantes no constitucionalismo, máxime no que concerne à efetivação dos direitos sociais.
Coube a SÓCRATES o rechaço a esta visão do mundo ao propugnar pela precisão do conceito, evitando assim os juízos contraditórios. Manfredo Araújo de OLIVEIRA afirma que para PLATÃO a linguagem era vista como função apenas designativa do pensar, ou como símbolo do real, na perspectiva aristotélica.5 Em ARISTÓTELES, houve uma vinculação entre a manifestação lingüística e a forma do ser. Partindo desta premissa, Santo TOMÁS DE AQUINO irá afirmar “verdad es la adecuación entre objeto y entendimiento (adequatio intelectus et rei)”.6 Este conceito de verdade passou a ser denominado verdade correspondência.
Através das pesquisas de G. FREGE, nas lições de HABERMAS, estabeleceu-se de forma objetiva a distinção entre a representação e o pensamento.7 HABERMAS esclarece que a representação é algo individual, subjetivo e historicamente determinado. Mais. Os pensamentos transcendem o indivíduo. Eles são apreendidos por diferentes sujeitos de forma diferente. Na representação temos objetos. No pensamento estão estados de coisas e fatos. Estas situações serão apreendidas pelo pensamento. “Quando tal pensamento é verdadeiro, o enunciado que o reproduz representa um fato”.8 Esta idéia de fato como fenômeno lingüístico é um dos pontos centrais na teoria de Paulo de Barros CARVALHO.9
Assim, tanto os pensamentos como os fatos serão acessíveis enquanto representados por enunciados, proposições.10 Estas, as proposições, devem ser entendidas como sentenças que pode ser atribuído tanto o valor verdade como o valor falsidade.11 E mais. “‘Real’ é o que pode ser representado em proposições verdadeiras”.12 A verdade deixa de ser vista como correspondência, no sentido aristotélico-tomista, e passa a ser trabalhada como produto do consenso, ou seja, ela é para nós, imersa na comunidade discursiva. Na visão de PEIRCE, conforme HABERMAS, a verdade é aceitação racional a partir de uma pretensão de validade criticável sob as condições comunicacionais de um auditório.
Superada assim a dicotomia entre realidade e idealidade, fica assentada que a idéia passa a ser incorporada à linguagem, onde a facticidade dos signos se liga à idealidade da universalidade do significado e à validade em termos de verdade. A generalidade semântica de significados obtém sua determinabilidade ideal na mediação de sinais e expressões que sobressaem, como tipos reconhecíveis da corrente de eventos lingüísticos e processo de fala, seguindo regras gramaticais.13
A influência da centralidade da linguagem no pensamento jurídico começa a se sentir na obra kelseniana, conforme testemunho de Luis Alberto WARAT14, quando este irá separar nitidamente a ciência do direito (dogmática jurídica) do direito positivo, mediante o artifício lógico da linguagem objeto – “el lenguaje del que se habla”15 – e da metalinguagem – “el lenguaje com que se habla acerca del lenguaje objeto”.16
Além disso, a análise lógica, inclusive a jurídica, se circunscreve dentro da teoria da linguagem. Esta, por sua vez, dirige-se ao signo lingüístico como objeto de sua investigação O direito, por sua vez, não pode prescindir da linguagem, como demarca Andreas Joachim KRELL.17 Não é possível existir prescrição jurídica destituída de formulação lingüística, como enfatiza Juan Ramon CAPELLA.18
2. O SIGNO NORMATIVO
O ponto central na teoria da linguagem vem a ser a idéia de signo lingüístico. Este será considerado como “a unidade de análise de qualquer sistema lingüístico”.19 Da mesma forma, a norma vem a ser a unidade mínima da linguagem jurídica, além de objeto da ciência jurídica, pelo que ostenta o estatuto de signo.20
Em SAUSSURE, o signo possui estrutura diádica, ou seja, é formado por um significante – antes denominado pelo teórico suíço como imagem acústica, uma impressão psíquica distinta das ondas eletromagnéticas – e o significado – anteriormente denominado pelo teórico de Genebra como conceito. Adverte que o vínculo entre os elementos do signo é arbitrário.21 Explica: “a idéia de ‘mar’ não está ligada por relação alguma interior à seqüência dos sons m-a-r que lhe serve de significante”.22 Percebe-se em SAUSSURE um signo de caráter ideal constituído na mente humana.
Ao lado da versão de SAUSSURE, existe a variante fenomenológica do signo desenvolvida por Edmund HUSSERL.23 Como salienta Paulo de Barros CARVALHO, o signo, em HUSSERL, é formado pelo suporte físico (dado real externo à mente humana), pela significação (dimensão ideal da representação) e pelo significado (vínculo entre o signo e o objeto referido).24
O signo se manifesta de três formas. A primeira é o ícone – possui similitude com o objeto representado, e. g.: fotografia, estátua, pintura etc. –; a segunda forma é o índice – mantém algum vinculo existencial com o objeto representado, e. g.: fumaça indica fogo, febre indica infecção etc. –; e, por última maneira, o símbolo – possui relações convencionais com o objeto, e. g.: as palavras.25 Percebe-se desta feita que as leis, que são veiculadas em palavras, compõem um universo sígnico simbólico, como adverte Tércio Sampaio FERRAZ JR.26
Não se pode relegar a análise normativa apenas à verificação lógico-formal, pois, como signo que é, manifesta-se em três dimensões: a sintática, a semântica e a pragmática. Esta visão encontra-se em Rupert SCHREIBER, Paulo de Barros CARVALHO, Marcelo NEVES, Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR, Gabriel Ivo, Eurico de SANTI, dentre outros.
Pautado na premissa da linguagem, Paulo de Barros CARVALHO irá definir norma jurídica como: “a significação que obtemos a partir da leitura dos textos de direito positivo”.27
Não se pode confundir assim norma com o texto legal.28 O texto é o suporte físico.29 A partir dele e em contato com a especificidade do real o intérprete/aplicador irá construir a norma jurídica. Este processo será percorrido nos três planos de análise semiótica, quais sejam: o sintático, o semântico e o pragmático.
3. PLANO SINTÁTICO
Nesta perspectiva, a norma jurídica será vista em sua estrutura lógico-formal. Aqui a preocupação consiste em formar expressões lingüísticas. Não é importante neste ponto o sentido da expressão. Há uma dissociação do significado dos conceitos jurídicos. A principal obrigação desta análise é identificar os componentes variáveis (categoremas) e invariáveis (sincategoremas) necessários para a formulação do signo, bem como para a sua transformação, além de ultimar a classificação dos signos.
Na visão de Marcelo NEVES, neste nível pretende-se revelar as relações entre conceitos, proposições e raciocínios jurídicos, abstraindo-se a referência com o real (semântico) e com o finalístico-ideológico (pragmático).30
Este aspecto, apesar de abstrato, é importante pois a resolução de uma questão depende de como ela é formulada. A existência de uma estrutura é decisiva para a exatidão e rapidez da solução.
O discurso jurídico produzido pelo legislador pode ser reduzido à norma que possui homogeneidade sintática. É, na dicção de Paulo de Barros CARVALHO, “a unidade mínima e irredutível de significação deôntica”.31 Esta significação se manifesta na forma condicional onde se associa o antecedente ao conseqüente, que em uma redução lógica pode ser escrita da seguinte forma: D(A→C).(-C→S). Lê-se: deve-ser que ocorrendo o antecedente, então se dará o conseqüente e, não se efetivando o conseqüente, então se dará a sanção. Este modelo, como salienta Antônio Luís MACHADO NETO, fora aprimorado de Hans KELSEN por Carlos COSSIO.32
O direito não pode prescindir deste modelo. A norma primária – a que prescreve a conduta devida – e a secundária – a que sanciona o descumprimento do conseqüente da norma primária. “A primária sem a secundária desjuridiciza-se; a secundária sem a primária reduz-se a instrumento, meio, sem fim material, a adjetivo sem o suporte no substantivo”.33 Além disso, a inexistência da sanção inviabiliza a materialização do caráter coercitivo do direito. Como salienta Paulo de Barros CARVALHO, a ausência da norma secundária descaracterizará a forma jurídica da norma. Esta será outro tipo normativo como a norma moral, ou a norma religiosa, ou a norma de etiqueta etc., mas nunca a norma jurídica.34
Neste plano não se discute se princípio é ou não norma. Esta discussão implica análise de conteúdo. Só se sabe se um enunciado prescritivo é veiculativo de princípio após a interpretação. O foro competente para esta disputa será o plano semântico e o pragmático, mas não o sintático. Por esta razão é falsa a questão de saber se o princípio tem ou não estrutura de norma, pois o plano sintático se ocupa com o enfoque estrutural da norma sem se deter com o aspecto, como dito, de conteúdo.
Muito embora se afirme que o esquema “se-então” deu lugar ao esquema “fim-meio”, como salientou Andreas Joachim KRELL, na hipótese de normas sobre planejamento,35 tal mudança não ocorreu, pois “fim” e “meio” se referem, respectivamente, ao aspecto semântico e pragmático da norma jurídica, mas não ao seu caráter lógico-formal. A classificação de Ronald DWORKIN, nada mais é que uma distinção pragmática, pois se verificará no plano da aplicação.36 Saber se ao aplicar o critério vai ser o de tudo ou nada ou o de ponderação é uma questão pragmática. Aqui, nada de estrutura lógico-formal. Agora sendo princípio ou regra, no final, a formulação será: “dado A, deve-ser B”. Esta forma não varia. Deve-se salientar que esta questão da ponderação fora objeto e crítica contundente de Humberto B. ÁVILA onde ele demonstra que mesmos as regras podem ser ponderadas.
É bem verdade que a separação entre os planos sintáticos, semântico e pragmático é metodológica. Pensar a norma apenas como moldura ou esquema de interpretação37 é o mesmo que retirar de um quadro de Vincent van Gogh aquilo que lhe é mais rico, a pintura. Entretanto, sem a moldura e o pano que lhe serve de base, não há pintura. As tintas e suas diversidades de cores estão esparramadas nos textos legais. Cabe ao aplicador manuseá-las e imprimir-lhes o sentido, determinando como a conduta deve ser.
É a partir dos textos de direito positivo, ou suporte físico, usando a nomenclatura de Edmund HUSSERL, que se irá verificar a estrutura lógica da norma em seus múltiplos aspectos: sintático, semântico e pragmático.
Outro papel preponderante na análise sintática consiste em identificar quando determinado enunciado funciona como antecedente ou conseqüente de um preceito ou como se organizam abstratamente a norma primária e a norma secundária. Todas estas questões são tipicamente sintáticas. Passemos aos outros planos.
4. PLANO SEMÂNTICO
Neste nível, os textos postos à disposição do sujeito irão sofrer o processo de constituição de sentido. Não se trata de descrição, mas de um ato decisório que irá constituir o sentido.38 É aqui, do ponto de vista lingüístico, que os eventos passam a ser fatos. Como salienta Gabriel IVO: “a linguagem também está presente na constituição do fato. O fato só se torna fato quando vertido em linguagem”.39
A preocupação neste plano dirige-se à analise da relação entre a expressão e a realidade. Eis o ponto atinente à verdade. Como já visto, esta não pode ser vislumbrada como verdade correspondência, aos moldes medievos, sob pena de enrijecer a produção normativa, aprisionando o sentido, se é que isto é possível. Aqui a verdade será eminentemente consensual, principalmente pelo fato de o signo lingüístico normativo ser simbólico.
Nesta dimensão, verifica-se o conteúdo das proposições, que são, em regra, vistas como significações constituídas a partir dos enunciados prescritivos. Tanto o antecedente da norma quanto o seu conseqüente são expressos em proposições. A proposição antecedente funciona como função seletora de propriedade do real. Já no conseqüente, a proposição irá estipular uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito distintos, sob pena de gerar sua extinção em face da confusão.
Esta descrição possui limites naturais e sociais, conforme escólio de Marcelo NEVES.40 Como é cediço, há limites inclusive para o poder constituinte originário. Estas condicionantes informam o antecedente da norma, pois estes não podem prever algo impossível ou necessário, como também o conseqüente normativo, uma vez que o direito não pode prescrever condutas impossíveis ou necessárias. São os limites deônticos. A sua manifestação implicará em sem-sentido deôntico ou de contra-sentido deôntico.
Diante de um sem-sentido deôntico não há norma jurídica, muito embora se possa formular em estrutura normativa, como no seguinte enunciado: “dado o fato de se estar em coma, deve-ser o direito de a pessoa levantar-se e passear pelo hospital”. Aqui, apenas sintaticamente é norma jurídica.
O sem-sentido deôntico decorrente de causa natural ou social foi denominado por Paulo de Barros CARVALHO, de ineficácia semântica.41 No caso, não haverá norma, do ponto de vista semântico. Se depois a impossibilidade cessar, então será possível a veiculação normativa.
É importante notar que aquilo que Paulo de Barros CARVALHO denomina ineficácia sintática – ausência de regra regulamentadora para que determinado preceito possa vir a se efetivar – não se trata de ineficácia, mas ausência de mínimo lógico semântico para se formar uma norma. Imagine-se, por exemplo uma lei que prescreva uma conduta criminosa sem lhe imputar a pena. Há enunciados, há significados, entretanto estes não veicularão norma jurídica, mas moral, ou religiosa (não matarás) etc. É sempre bom salientar que existem enunciados que não possuem conteúdo prescritivo, como é o caso da expressão constitucional que prevê a “proteção de Deus”, como salienta Humberto B. ÁVILA.42
Interessante notar que no conseqüente está estipulada a prescrição da conduta nas modalidades proibida ou vedada (V), permitida (P) e obrigada (O). A faculdade por ser uma permissão bilateral – permitido fazer e permitido não fazer (Pp.P-p) –, não é uma quarta possibilidade, mas uma forma de permissão. Com isso se estabeleceu a lei deôntica do quarto excluído. Ou seja, só existem três modos de regular a conduta humana. Eis os modais deônticos: VPO.
Muito embora se alegue, como relatado por Andreas Joachim KRELL, que é possível poder discricionário43 no antecedente da norma, como pensa também Celso Antônio Bandeira de MELLO44, na realidade, do ponto de vista lógico-semântico, não. A conduta está prevista na conseqüência normativa. A existência de imprecisão acerca de demarcação fática na hipótese da norma45 não pode ser confundida com poder discricionário, que decorre de uma permissão bilateral (P.-P) ou de uma simples permissão (P) conferida ao administrador. Cabe ao intérprete, no caso concreto, construir o sentido, mesmo que do ponto de vista semântico ele seja um conceito juridicamente indeterminado, ou, como prefere Eros Roberto GRAU, “termos indeterminados”.46 Diante de termos ou de conceitos indeterminados temos um problema de interpretação e não de discricionariedade administrativa.47 A interpretação antecede à construção da norma, enquanto que a discricionariedade é intranormativa, dá-se no conseqüente normativo. Como vaticina Eros Roberto GRAU, “a interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação, o intérprete, ao interpretar a lei, desde um caso concreto, a aplica”.48
Tomando o exemplo de Andreas Joachim KRELL, pode-se perceber isso. Ei-lo: “caso exista um perigo para a saúde pública e medidas de vacinação parecerem necessárias, o órgão competente deve determinar obrigações de vacinação”.49 Aqui fica claro que o administrador, diante de uma situação fática concreta, deverá, mediante um processo elucidativo, verificar se ela se coaduna com a hipótese normativa. No exemplo posto, percebe-se que a hipótese normativa possui conceitos (ou termos) indeterminados, a saber: perigo à saúde pública e parecer necessário. Cabe ao intérprete, interpretar o que está posto para verificar se é hipótese de aplicação do preceito abstrato e geral. Se neste processo se verifica que há perigo para a saúde e a vacinação lhe parece uma medida necessária, no caso, então a autoridade deve determinar a vacinação. Se durante o carnaval de Salvador há uma grande possibilidade de milhares de pessoas virem a ser infectadas pelo vírus HIV. Isto é um perigo para a saúde pública, mas não se faz necessária a vacinação, até porque ela não existe ainda disponível no mercado. Não havendo a hipótese não surge a obrigação de vacinar. Houve discricionariedade? Não. Apenas constatou-se ao preencher os conceitos (ou termos) indeterminados que a hipótese não poderia ser efetivada. Caso viessem a ser configuradas as hipóteses do antecedente, que se fará mediante o relato lingüístico constitutivo do fato, a conduta não seria facultativa, mas obrigatória. Mais. Sem o relato lingüístico não há fato e, via de conseqüência, por não haver sido implementado o antecedente, não há norma concreta e individual. Não havendo norma, não há como sindicar a (in)atividade da administração.
É no plano semântico que é possível verificar a hierarquia dos enunciados normativos. Diz-se hierarquia de enunciados no sentido de alertar que não há hierarquia entre normas, até porque estas são geralmente constituídas a partir de enunciados de diversos graus hierárquicos. Por exemplo, a norma que pune o homicídio é formada por significados construídos a partir do texto constitucional, que garantem a vida, e de enunciados que punem o seu desrespeito, fixados a partir do código penal, no caso do assassinato. Mais complexo fica no caso do direito ambiental, em que a composição de uma norma depende de enunciados constitucionais, de legislação federal, legislação estadual e até mesmo municipal. Desta feita resta demonstrado que, do ponto de vista da lógica, não há hierarquia normativa.
Outro ponto que diz respeito ao aspecto semântico são os já mencionados conceitos (ou termos) jurídicos indeterminados. A densificação dos conceitos é ato volitivo, máxime quando a sua pré-compreensão não possui um sentido já sedimentado na comunidade. Esta ausência de sedimentação decorre da novidade do conceito50, da complexidade fática51, da disputa ideológica que envolve o conceito52, dentre outros fatores.
Existirá volição sempre quando se tratar de atribuição de sentido à norma, pois como já salientara Hans KELSEN, aplicar é um ato de vontade precedido pela razão. A razão vislumbra as possibilidades. A vontade escolhe a que se entende melhor para o caso.53Nesta linha de argumentação, Andreas Joachim KRELL irá vaticinar: “por isso, pode-se afirmar que a aplicação e a interpretação da lei se superpõem e, na verdade, acontecem em uma só operação”.54
Na teoria da linguagem, temos o que se denomina vagueza e ambigüidade. A primeira como um problema denotativo e a segunda como problema conotativo ou designativo.55 O conceito (ou termo) será vago quando não houver uma regra definida para sua aplicação. Do ponto de vista denotativo há três zonas. A zona de certeza positiva – composto por objetos em que não há nenhuma dúvida em relação à inclusão no espaço denotativo –; a zona de certeza negativa – composta por objetos ou situações que não se incluem no espaço denotativo –; e a zona de incerteza – na qual existem dúvidas legítimas acerca da inclusão ou não no espaço denotativo.56 Luis Albert WARAT entende que nestes casos a saída é uma definição estipuladora com o objetivo de aclarar o sentido. Entretanto, não seria possível zerar a vaguidade. Interessante notar que o controle judicial nas zonas de incerteza é parcial, já nas demais é total.57
No caso da ambigüidade, ocorre quando o mesmo texto designa mais de um objeto. Por exemplo, a expressão contrato serve para designar o formulário, o ato jurídico, e a relação jurídica que lhe é decorrente. Este problema é resolvido na aplicação, estipulando-se em que sentido se está utilizando a expressão.
Estes problemas são nitidamente semânticos. O sentido, entretanto, não está no texto, involucrado. Não se trata de animismo onde o texto é o ser e o sentido sua alma imanente. Mais. A priori, todos os conceitos precisam ser densificados. A indeterminação deve ser solvida no momento da aplicação sob pena de, para aquele caso, não ser possível construir-se norma, pois tanto o antecedente como o conseqüente são proposições e estas são significados, como já visto. Na precisa lição de Eros Roberto GRAU, “o significado (isto é, a norma) é resultado da tarefa interpretativa”.58
Outro dado interessante com relação ao aspecto semântico que atinge os direitos fundamentais é o argumento da reserva do possível. Esta alegação tem por destinatário o sentido deôntico da norma, já que o sem-sentido impede o normativo. Aqui, a limitação dos recursos públicos passa a ser um limite fático à concretização dos direitos sociais.59 Conforme relata Andreas Joachim KRELL, esta alegação só terá sentido quando se exigir algo acima do limite básico social.60 No caso brasileiro, este argumento não pode ser utilizado para esvaziar os direitos sociais, uma vez que as necessidades vitais básicas ainda não foram implementadas, principalmente quando o investimento na área social é visto como gasto e não como investimento social.
Com relação aos princípios, que são considerados por Humberto B. ÁVILA como normas,61 na realidade não são, pois embora tenham conteúdo prescritivo, não são estruturados como proposição antecedente vinculada a uma proposição conseqüente. Conforme estudo de Paulo de Barros CARVALHO, os princípios consistem em proposições que se referem ora a valores, ora a limites objetivos. No primeiro caso, possuem as seguintes características: são bipolares, têm implicação recíproca, são referíveis a um dado da realidade, são hieraquizados, são incomensuráveis, são históricos, possuem objetividade, existe preferibilidade. Já os limites objetivos são postos para realizar certas metas, fins, valores, como o caso do princípio da publicidade que tem por fim realizar a moralidade da administração pública, que é um valor. Do ponto de vista semântico, tanto os princípios que veiculam valores como os que veiculam limites objetivos são enunciados prescritivos cujos sentidos irão compor a norma jurídica.62 Agora, os princípios não deixam de ser as pedras angulares de todo o sistema jurídico.
Ainda no campo semântico encontramos a distinção entre normas abstratas e gerais e normas concretas e individuais. O antecedente será abstrato quando descrever um fato de possível ocorrência e será concreto quando descrever fato já ocorrido. O conseqüente será geral quando o vínculo relacional tiver destinatários indeterminados e será concreto quando o vínculo relacional possuir sujeitos determinados. Advirta-se, por oportuno, que é possível a construção de normas abstrata e individual, e concreta e geral.
Outra distinção semântica dá-se na hipótese da norma de estrutura e da norma de conduta. A primeira prescreverá como outras normas irão ser elaboradas, modificadas ou extintas. Na segunda hipótese, prescreverá como a conduta em sua inferência intersubjetiva será modalizada.
Importante questão semântica é a referente a vacatio legis. Aqui há um nítido sem-sentido deôntico, no que se refere ao direito positivo. Muito embora para a ciência possam se elaborar propostas normativas, elas não poderão vir a produzir efeitos no mundo social, pois ainda lhes falta o adimplemento do tempo. Já a lei revogada deixa de ter sentido para os fatos produzidos após a sua revogação, mas anteriormente ela tem sentido deôntico.
Alerta Victor ABRAMOVICH que não há distinção lógica-deôntica entre os direitos sociais e os direitos civis.63 Realmente, a diferença é semântica. Cada um dirige-se a um campo distinto, mas bastante próximo na vida social. No plano pragmático estes direitos nem sempre são atendidos, máxime em países como o Brasil.
Não se pode falar em norma jurídica apenas com o dado sintático e o semântico. É necessário que estes dados e os seus sentidos sejam articulados lingüisticamente sob o arcabouço lógico desenhado no plano sintático e emitidos pela autoridade competente (plano pragmático). Só aqui se terá a transição da norma abstrata e geral para a norma concreta e individual.
Como já se delimitou, a norma perpassa o plano sintático, conformando sua estrutura, passa para o plano do sentido e depois desemboca no pragmático.
5. PLANO PRAGMÁTICO
Este nível, dado a sua amplitude, carece de estudos mais precisos. Para muitos ele compõe o objeto da sociologia jurídica. Entretanto, é aqui onde de fato toda a produção normativa começa e se efetiva. No pragmático está o princípio e o fim da atividade jurídica.
A afirmação de Andreas Joachim KREEL, de que a questão da interpretação dos direitos sociais não é lógica, mas de consciência social,64 além de lançar o problema da efetivação das normas como uma questão extrajurídica de conteúdo eminentemente subjetivo, não leva em consideração que o próprio sistema constitucional impõe ao administrador metas a serem efetivadas. Estas determinações são jurídicas e sob este prisma deve ser analisado, sob pena de a ciência negar o seu próprio objeto. Sendo jurídico, deve se guiar pelos cânones da lógica, como se passa a expor.
No nível pragmático, o discurso é voltado para a aplicação da norma jurídica e a serventia desta linguagem no mundo social. Não é uma dimensão extralógica, como já se afirmou, mas compõe o universo lógico no entrelace entre o sintático, o semântico e o pragmático, como bem salienta Rupert SCHREIBER, “estos três aspectos de la investigación de um lenguaje se encuentran entre sí em la siguinte relación: la pragmática presupone la sintaxis y la semántica, la semántica presupone la sintaxis”.65 Neste sentido, Lourival VILANOVA afirma: “altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito”.66 67 Até mesmo Hans KELSEN irá condicionar a eficácia da Constituição à efetividade e à aplicabilidade global da ordem que ela inaugura.68 Com premissas distintas, mas com as mesmas conseqüências, vê-se o trabalho de Marcos Bernardes de MELLO quando explicita as dimensões do mundo jurídico, dividindo-o em dimensão política, dimensão normativa e dimensão sociológica.69 Por mais que se queira afastar do plano pragmático, o direito depende dele para se realizar. A produção de sentido depende de atuação pragmática da autoridade do sistema – todo aquele que esteja autorizado pela ordem jurídica para inová-lo.70 O teórico do direito não elabora norma, mas a propõe. Quem produz a norma é o aplicador, no caso concreto.
No relato de Lênio Luiz STRECK, para se atribuir sentido ao texto, mister se faz, segundo GADAMER, que haja uma pré-compreensão. Esta, por sua vez, é pré-figurada por uma tradição determinada onde vive o interprete modelando seus pré-juízos. A pré-compreensão decorre da relação intersubjetiva (sujeito x sujeito) que o intérprete tem do mundo. Aqui se rompe a relação cartesiana “sujeito x objeto”, até porque o sentido não está no objeto, mas na comunidade discursiva. No caso do direito há uma especificidade. A Constituição é condição de possibilidade hermenêutica de outro texto. Ela é o produto de um pacto constituinte. Só a partir do sentido que se tem da Constituição se pode construir o sentido do Direito Positivo como um todo.
No plano pragmático a Constituição fixa as suas diretrizes. Exemplo disso encontra-se na prescrição do art. 3º da CF/88.71 Estas disposições, dentre outras, são dirigidas aos aplicadores, devendo ser um dos guias na realização do Direito. Situações como mínimo vital,72 rechaço ao argumento da reserva do possível73 e outras, são facilmente encontradas dentro da teoria normativa do direito, aqui vista além do esqueleto da estrutura lógico-formal.
Colocar o aspecto pragmático para o núcleo mínimo do fenômeno jurídico – a norma jurídica – revela as falácias que escondem a não aplicação dos direitos sociais, a arbitrariedade do poder público, bem como a omissão de parte do judiciário em realizar materialmente o sistema jurídico positivo. A alegação de que a questão pragmática é sociológica ou política é ideológica. Na realidade, só existe normatividade por conta da atuação do plano pragmático.
O problema da “baixa compreensão” do texto constitucional, no que concerne ao âmbito do Estado Democrático (Social) de Direito, implica baixa aplicação e, via de conseqüência, prejuízo à concretização dos direitos, máxime, os sociais. É a partir desta questão que surge a possibilidade de (in)efetividade da Constituição. A interpretação constitucional, neste ponto, é fundamental para a força normativa da Constituição.74 A conseqüência da “baixa compreensão” do texto constitucional gera a idéia de prevalência dos códigos frente à Constituição, a utilização de métodos antiquados e a equiparação de texto e norma, vigência e validade etc.75
Uma classificação pragmática que leva a uma inefetividade das normas constitucionais é a elaborada por José Afonso da SILVA. Na realidade, com o pretexto de classificar as normas constitucionais pelos efeitos acabou por disseminar a crença de que existiria norma constitucional de eficácia plena, de eficácia contida e, por último, de eficácia limitada.76 Não se trata aqui de classificação de normas mas de enunciados prescritivos. O motivo desta classificação decorre do fato de que o autor não faz a distinção entre lei e norma. Norma é eficaz. Se não produz o efeito, alterando o mundo social, norma não é.
Atinge o plano pragmático a não efetividade de diversos direitos catalogados como fundamentais, bem como o não controle judicial dos atos discricionários e dos conceitos (ou termos) jurídicos indeterminados. Em diversas passagens de sua obra, Andreas Joachim KRELL defende a efetividade e a possibilidade do controle judicial das políticas públicas, bem como da sindicabilidade dos conceitos (ou termos) jurídicos indeterminados e do poder discricionário.
É imperativo, na modernidade, que toda formulação jurídica seja apresentada em de maneira adequada. Esta formulação deve ser fundamentada, sob pena de se tornar um arbítrio, sendo esta conseqüência decorrente do Estado de Direito.77 Além disso, as referidas decisões devem respeitar as leis lógicas, pois, como alega Rupert SCHREIBER, citando decisão do Tribunal Supremo da Zona Britânica de Ocupação da Alemanha, de 19 de outubro de 1948, “la violación contra las leys de pensamiento es, por consiguiente, uma violación del derecho material”.78 A proibição do arbítrio tem por destinatários os poderes do Estado. Se a administração, ao concretizar o direito material, não o justifica ou justificando, não toma como norte os paradigmas fixados na Constituição Federal, cabe a interferência judicial, ainda que mínima.79 Ademais, como salienta Andreas Joachim KRELL, não há diferença qualitativa entre o ato vinculado e o discricionário, mas quantitativa.80 Como ficou demonstrado, a diferença está no modal deôntico. No vinculado, a conduta da administração é obrigatória, no ato discricionário o modal deôntico é o permissivo, em regra bilateral. Ambos, o vinculado e o discricionário são atos normativos, logo podem e devem ser controlados.
Não se trata aqui de invasão na competência administrativa, até porque a conduta do administrador que não realiza valores constitucionais é um ilícito que deve e é sancionado pela ordem jurídica. Acrescente-se a este fato que o poder estatal é uno e sua divisão tem por função melhor realizar os ditames da ordem jurídica. Não pode esta técnica de divisão de atribuição funcionar como empecilho à efetivação dos direitos, máxime os direitos sociais que demandam, em regra uma prestação positiva do Estado, conforme percuciente lição de Fábio Konder COMPARATO, a seguir transcrita:
Em razão de sua supremacia normativa, o princípio da separação de poderes situa-se no ápice do ordenamento jurídico nacional, sobrelevando todas as regras, até mesmo de natureza constitucional, que não tenham o valor de princípios. Na hipótese de uma eventual colisão da separação de poderes com outro princípio fundamental, em determinado caso concreto, o intérprete deve escolher a solução que melhor assegure a proteção dos direitos fundamentais, segundo a técnica de sopesamento, que os alemães denominam Güterabwägung, e os anglo-saxônicos balancing.81
As críticas dirigidas ao ativismo judicial não têm sustância no Brasil, pois o que se observa nos tribunais superiores é um ativismo negativo, uma auto-restrição do Poder Judiciário. Isto decorre da baixa constitucionalidade que possuem os seguintes fatores: a) curtos períodos de democracia; b) décadas de controle difuso sem extensão das decisões; c) tardia inserção do controle concentrado; d) tardio ingresso do Brasil na era do constitucionalismo do Estado Democrático de Direito; e) crise de paradigma pois o processo foi talhado para resolver conflitos interindividuais e não transindividuais.82
Deve-se frisar que a concretização da Constituição não depende de vontade sazonal do legislador ou do executivo. O intérprete deve resguardar a sintonia com a materialidade da Constituição. Ela estabelece as condições do agir político, sendo normativa e, no caso, dirigente, como defende Andreas Joachim KRELL83 e Lênio Luiz STRECK.84 Ademais, a atuação humana é imprescindível para a realização do direito. Esta é a constatação de Gabriel IVO, que trouxe para o plano pragmático a incidência.85 O descumprimento de um enunciado prescritivo ou consiste em ilicitude ou em inexistência de norma – ausência de condição lógica-formal ou lógico-semântica para sua efetivação. Na ilicitude há, como visto, uma conduta devida na norma primária e o seu descumprimento como antecedente da norma secundária. No caso da efetivação da sanção ao ilícito implica de certa forma efetividade da norma descumprida.
A indiferença ao enunciado legal denota a sua inexistência do ponto de vista normativo. Esta pode decorrer da ausência de um imperativo lógico formal ou diante de um sem-sentido deôntico. A determinação de existência ou não de norma jurídica será feita no plano pragmático. Aqui, as autoridades do sistema, que pode ser inclusive a pessoa física quando realiza um contrato, irão determinar o direito. É esta efetivação que dá sentido ao texto que veicula norma abstrata e geral. Do ponto de vista normativo, a norma abstrata e geral só vai existir no momento em que o aplicador, intérprete autêntico na visão de Hans KELSEN86, utilizá-la como fundamento de sua tomada de decisão. Retomando o conceito de norma jurídica, pode-se expressar esta como a significação construída pela autoridade do sistema a partir de enunciados prescritivos sob a forma lógica, dado A, deve-ser C ou nC, deve ser S. Este conceito já se encontra presente na obra de Paulo de Barros CARVALHO. A ênfase que ora se dá é que esta norma em sua dimensão existencial só se manifesta quando aplicada. A separação entre texto e norma é importante, pois graças a ela é possível, dentro do embate pragmático, a determinação do jurídico, máxime diante da utilização das premissas do agir comunicativo que, além de semântico é, também, pragmático.
O controle judicial da atividade estatal será assim plenamente normativo. A ação ou inação do poder público, principalmente quanto aos direitos sociais, pode ser assim plenamente controlada pelo poder judiciário, que é uma das expressões do poder estatal. 87 A inefetividade dos direitos agride a civilidade e a própria função da normatividade, que é estruturar a sociedade a partir de critérios legítimos. Mesmos as ditaduras pautam sua existência no suposto atendimento à legitimidade. É tarefa do profissional do direito buscar a concretização das normas constitucionais, que são basilares para qualquer civilidade. Só assim é possível transformar o purgatório que é a inefetividade, segundo precisa visão de Dante ALIGHIERI, em um lugar tolerável para a convivência humana.
6. CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO
A centralidade da linguagem se inicia como os sofistas tendo sido interrompida pelo rechaço socrático, mas no final do século XIX e início do século XX reassume o seu papel graças ao trabalho de SAUSSURE, PIERCE, FREGE, HUSSERL e outros. Hans KELSEN é um dos primeiros teóricos a utilizar a teoria da linguagem no campo da ciência do direito.
Como a realidade é constituída através da linguagem, o direito não é possível sem ela. O signo lingüístico é a unidade de análise de qualquer sistema de linguagem. A norma jurídica, por sua vez, tem o caráter de signo por funcionar como a unidade mínima de análise do fenômeno jurídico.
A estrutura do signo lingüístico normativo, seguindo o modelo de Edmund HUSSERL, é formada pelo suporte físico, a significação e o significado. Manifesta-se o signo de três formas distintas, no caso: ícone, índice e símbolo. Neste último a relação entre o suporte físico e o real é arbitrária, como é a hipótese da palavra. Dessa maneira, sendo as leis veiculadas em palavra o universo jurídico que é constituído a partir dela será simbólico.
O texto legal é o suporte físico e se distingue da norma que é produto da interpretação do enunciado prescritivo que se manifesta na forma lógico-formal mínima desta maneira: Deve-ser que ocorrendo “A”, então deve-ser “C” ou, não ocorrendo “C”, então deve-ser S. Esta estrutura dúplice é a que melhor se coaduna com o fenômeno jurídico, pois retirando a possibilidade da sanção o preceito será religioso, moral etc.
A norma jurídica como um todo se manifesta nos três níveis lingüísticos, a saber: o sintático, o semântico e o pragmático.
O plano sintático se refere ao aspecto formal da norma sem descer a detalhes referentes ao sentido, ao conteúdo ou ao significado dos termos. Do ponto de vista sintático a norma possui homogeneidade. Sua forma não varia. É sempre a mesma.
A distinção entre regra e princípio elaborada por Ronaldo DWORKIN por tomar por lastro a aplicação acaba sendo uma distinção pragmática e não lógico-sintática. Assim, a discussão acerca do aspecto dos princípios não pode ser efetivada no plano lógico-sintático, mas lógico-semântico e lógico-pragmático.
Compete ao nível semântico verificar o conteúdo dos textos. É o campo do sentido. Verifica-se, no semântico, a conduta e as formas de modalizá-las. Os modais deônticos são três: o vedado (ou proibido), o permitido e o obrigado (VPO). O facultativo, por se tratar de uma permissão bilateral – permitido fazer e permitido não fazer (Pp.P-p) –, acaba sendo uma forma de manifestação da permissão. No antecedente da norma há a descrição de fato de possível ocorrência e no conseqüente ou preceito da norma uma determinação de como a conduta deve atuar.
O deôntico – mundo do dever-ser – só atua no aspecto ôntico do possível. Desta forma é um sem-sentido deôntico estipular-se o impossível ou o necessário. O sem-sentido deôntico (ou contra-sentido deôntico) pode manifestar-se na modalidade natural ou social. Neste caso a previsão jurídica pode ser sem-sentido deôntico por ser impossível naturalmente ou socialmente. Aqui não haverá norma, malgrado possa ser formulada sob a forma lógica de norma.
A discricionariedade, por ser uma faculdade (Pp.P-p) ou uma permissão (Pp) encontra-se no conseqüente da norma e não no conseqüente devendo este atuar ser controlado judicialmente.
A aplicação do direito sempre terá um conteúdo volitivo. Isto não implica, entretanto em arbitrariedade, pois é exigência do Estado Democrático de Direito a justificação da autoridade ao construir uma norma jurídica.
Os conceitos (ou termos) jurídicos indeterminados são densificados no momento da aplicação. O controle também deve ser possível sob pena de legitimar o arbítrio.
Os princípios são pedras angulares das normas, compõem-na, mas não são normas. Muitas vezes manifestam-se como valor e outras vezes como limite objetivo. Deve sempre nortear a produção normativa sob pena de fazer ruir o edifício jurídico, máxime quando se tratar de prestação positiva do Estado, nos casos dos direitos sociais.
Não existe diferença lógico-formal entre os direitos civis e os direitos sociais. A diferença é apenas semântica. Esta diferença não pode ser óbice a sua efetividade. Acrescente-se. A interpretação/aplicação dos direitos sociais é uma questão lógica, pois ela se verifica no plano pragmático e este pressupõe o semântico e o sintático.
O problema de reserva do possível é uma questão semântica que deve ser vista com base nos princípios cardeais na Constituição. Nossa carta não elegeu o pagamento de juros da dívida como objetivo, mas a erradicação da pobreza, a justiça social, o fim das desigualdades, etc. Ademais, a Constituição Federal estabelece em vários dispositivos guias para a atuação do aplicador. Estes guias são vetores obrigatórios, não são conselhos.
Vê-se traço do reconhecimento da faceta pragmática em teóricos de vários matizes. É o caso de Hans KELSEN, Lourival VILANOVA, Paulo de Barros CARVALHO, Gabriel IVO, Andreas Joachim KRELL, Marcos Bernardes de MELLO, dentre outros. Só há normatividade plena quando o fenômeno normativo se manifesta nos três planos.
Um dos problemas da baixa efetividade da Constituição Federal decorre da baixa compreensão do texto constitucional. Isto gera a idéia de prevalência dos códigos frente à Constituição, a utilização de métodos e conceitos antiquados, a equiparação entre texto legal e norma, vigência e validade etc. A indiferença ao enunciado legal deverá ser visto como ilícito, logo sancionada pelo poder público. Esta interferência não pode ser entendida como ingerência em outro poder já que a existência da divisão de poderes foi posto no sentido de realizar a liberdade humana, não podendo ser invocada para impedir justamente a efetivação dos direitos fundamentais.
Diretor de Secretaria da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas. Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e Mestrando pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professor de graduação do Curso de Direito da Faculdade SEUNE e da Faculdade FAMA. Professor de Pós-graduação do Curso de Direito do CESMAC e da ESAMC.
1 Cf. SCHREIBER, Rupert. Lógica del Derecho. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. 4ª ed. México: Fontamara, 1999, p. 16.
2 Esta formulação pode ser vista também em ARISTÓTELES. Cf. ARISTÓTELES. Metafísica. Traducción de Francisco Larroyo. 13ª ed. México: Porrua, 1998, p. 71-72.
3 O termo real está posto no sentido de evento ou seja, aquilo que possui existência concreta.
4 Cf. STRECK, Lênio Luiz. A Permanência do Caráter Compromissório (e Dirigente) da Constituição Brasileira e o Papel da Jurisdição Constitucional: Uma Abordagem à Luz da Hermenêutica Filosófica. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n. 39, janeiro/abril, 2004, p. 99-119. Bauru, Edite – editora da ITE, nota de rodapé nº 80, p. 109.
5 Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996, p. 14ss.
6 Cf. Santo TOMAS DE AQUINO. Suma de Teología, I, parte I. Traducción de José Martorell Capó. 2ª ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1994, p. 225.
7 Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. 1. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 27-28.
8 Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. 1. Op. cit., p. 28.
9 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 85-90.
10 Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. 1. Op. cit., p. 28.
11 Cf. ARISTÓTELES. Órganon. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2005, p.84.
12 Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. 1. Op. cit., p. 32.
13 Cf. Idem, ibidem, p. 55-56.
14 Cf. WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 48.
15 Cf. SCHREIBER, Rupert. Lógica del derecho. Op. cit., p. 18.
16 Idem, ibidem, p. 18.
17 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 41.
18 Cf. CAPELLA, Juan-Ramon. El Derecho como Lenguaje. Barcelona: Ediciones Ariel, 1968, p. 28.
19 Cf. WARAT, Luis Alberto. Op. cit., p. 39.
20 Cf. ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Fato e Evento Tributário – Uma Análise Semiótica. In Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 335.
21 Cf. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingüística Geral. Organizado por Charles Bally e Albert Sechehaye, com colaboração de Alber Riedlinger. 25.ed. São Paulo: Cultrix, 1999, p. 81.
22 Idem, ibidem, p. 81.
23 Cf. HUSSERL, Edmund. Investigationes Lógicas, I. Versión de Manuel Garcia Morente y José Gaos. Madrid: Alianza Editorial, 2001, p. 233-258
24 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 15.
25 Cf. ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Fato e Evento Tributário – Uma Análise Semiótica. In Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 336.
26 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 257ss.
27 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ª.ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 8.
28 Cf. STRECK, Lênio Luiz. A Permanência do Caráter Compromissório (e Dirigente) da Constituição Brasileira e o Papel da Jurisdição Constitucional: Uma Abordagem à Luz da Hermenêutica Filosófica. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n. 39, janeiro/abril, 2004, pp. 99-119. Bauru, Edite – editora da ITE, p. 107.
29 Cf. IVO, Gabriel. A Incidência da Norma Jurídica – O Cerco da Linguagem. Revista Trimestral de Direito Civil, Ano 1, vol. 4, outubro a dezembro de 2000, Rio de Janeiro: Editora Padma, p. 29-30.
30 Cf. NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 22.
31 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos de Incidência. 2ª ed., revista. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 19.
32 Cf. MACHADO NETO, Antônio Luís. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 4ª ed. São Paulo, 1977, p. 136-138.
33 Cf. VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1989, p. 124.
34 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos de Incidência. 2ª ed., revista. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 21.
35 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre: 2004, p. 20.
36 Cf. DWORKIN, Ronald. Los Derechos em Serio. 1ªed., 3ª reip. Barcelona: Ariel, 1997, p. 72-80.
37 Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 4ª ed., 1ª reimp. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 4.
38 Cf. ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios. 4ª ed., revista. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 23.
39 Cf. IVO, Gabriel. A Incidência da Norma Jurídica – O Cerco da Linguagem. Revista Trimestral de Direito Civil, Ano 1, vol. 4, outubro a dezembro de 2000, Rio de Janeiro: Editora Padma, p. 34.
40 Cf. NEVES, Marcelo. Teoria da Inconstitucionalidade das Leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 50-51.
41 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos de Incidência. Op. cit., p. 54.
42 Cf. ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios. 4ª ed., revista. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 22.
43 Aquele que ocorre quando a lei atribui ao administrador uma margem de liberdade para construir o direito.
44 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Op. cit., p. 34.
45 Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malherios, 1993, p. 19.
46 Cf. GRAU, Eros Roberto. Crítica da Discricionariedade e Restauração da Legalidade. In: Perspectiva do Direito Público. Estudos em Homenagem a Miguel Seabras Fagundes. Coord. Cármen Lúcia Antunes Rocha. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 315.
47 Cf. GRAU, Eros Roberto. Idem, p. 323.
48 Idem, ibidem, p. 323.
49 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Op. cit., p. 34.
50 Exemplo: alimentos transgênicos.
51 Exemplo: utilidade pública, serviço público, justiça, dignidade humana etc.
52 Exemplo: pleno emprego, livre iniciativa etc.
53 Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 4ª ed., 1ª reimp., 1995. São Paulo: Martins Fontes, p.392-395.
54 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Op. cit,. p. 43.
55 Cf. WARAT, Luis Alberto. O direito e sua Linguagem. Op. cit., p. 76-79.
56 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Op. cit., p. 41. Ver também WARAT, Luis Alberto. O direito e sua Linguagem. Op. cit., p. 76-77.
57 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Op. cit., p. 41.
58 Cf. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 80.
59 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 51.
60 Idem, ibidem, p. 52.
61 Cf. ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios. Op. cit., p. 26.
62 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit. p. 141-145
63 Cf. ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los Derechos Sociales como Derechos Exigibles. 2ª ed. Madrid: Editorial Trotta, 2004, p. 47
64 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Op. cit., p. 51.
65 Cf. SCHREIBER, Rupert. Lógica del Derecho.Op. cit., p. 23.
66 Cf. VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 40.
67 Esta linha de argumentação também é desenvolvida por Gabriel IVO, op. cit., p. 28-29.
68 Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Op. cit., p. 232-235.
69 Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Existência. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 14-15.
70 Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Op. cit., p. 167-176.
71 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
72 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 59-65.
73 Idem, ibidem, p. 51-57.
74 Cf. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 19-20.
75 Cf. STRECK, Lênio Luiz. A Permanência do Caráter Compromissório (e Dirigente) da Constituição Brasileira e o Papel da Jurisdição Constitucional: Uma Abordagem à Luz da Hermenêutica Filosófica. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n. 39, janeiro/abril, 2004, pp. 99-119. Bauru, Edite – editora da ITE, p. 93-95.
76 Cf. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 81-87.
77 Cf. SCHREIBER, Rupert. Lógica del Derecho.Op. cit., p. 17.
78 Idem, ibidem, p. 121.
79 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Op. cit., p. 54.
80 Idem, ibidem, p. 22.
81 Cf. COMPARATO, Fábio Konder. As Garantias Institucionais dos Direitos Humanos. Artigo capturado na internet no site: http://www.anpr.org.br/bibliote/artigos/comparato2.htm, às 19:003h, do dia 07 de julho de 2005.
82 Ver, a respeito Lênio Luiz STRECK, op. cit., p. 99-119.
83 Cf. KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e o Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Op. cit., p. 67-70.
84 Ver, a respeito Lênio Luiz STRECK, op. cit., p. 114-115.
85 Cf. IVO, Gabriel, op. cit., p. 37-38.
86 Cf. KELSEN, Hans. Op. cit., p. 392-395.
87 Cf. ABRAMOVICH, Víctor e COURTIS, Chistian. Op. cit., p. 47.